Definição

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Domingo de manhã, Megan está sentada junto à janela, olhando atentamente à floresta silenciosa.
Alguém bate à porta, Marcelo coloca a cabeça para dentro, com um sorriso.
- Não quer tomar café com a gente?
- Oi, pai. Não, estou bem.
- Megan, está assim pelo quê houve ontem à noite?
- Eu não teria o porquê me preocupar. É assunto de vocês.
- Tudo bem. Quando decidir, estaremos lá embaixo.
- .
A porta se fecha.
Megan abraça suas pernas e apoia seu queixo em seus joelhos, muita informação se adapta ao que está acontecendo, uma lágrima escorre por seu rosto.
Meio-dia, Megan está lendo um livro qualquer, no mesmo lugar próximo à janela.
Desta vez, Nathália é quem bate à porta e coloca a cabeça para dentro.
- Não vai descer para almoçar, meu bem?
- Eu estou sem fome, mãe.
- Quer que eu traga um suco para você?
- Não precisa. Obrigada.
- Está bem.
A porta se fecha.
Megan encosta sua cabeça contra o vidro da janela, murmurando:
- Por quê nos confudimos com assuntos tão simples?
Ela repete a mesma frase várias vezes.
O dia parte lentamente, cinco e dezesseis da tarde, Megan continua trancada no quarto.
Seus pais estão preocupados com sua atitude indiferente:
- Acha que os pesadelos voltaram?
- Creio que não. Ela teria nos dito.
- Será mesmo?
- Eu irei falar com ela.
- Eu posso ir até , Megan e eu nunca tivemos uma conversa formal.
- Megan não está precisando de formalidades, Nathália. Ela precisa de abertura conosco. Somos os pais dela e estamos deixando algum detalhe sobre sua vida passar despercebido.
- Eu consigo, Marcelo.
- É melhor deixar eu fazer isso.
- Como quiser.
Marcelo bate na porta do quarto de Megan, quando não recebe uma resposta adentra nele.
- Megan? Está tudo bem?
Megan está deitada ao chão, sobre o tapete, ela encara o teto.
Marcelo se senta ao chão:
- Filha?
- Oi, pai.
- Querida, o quê houve? Por quê não quis sair do quarto o dia todo?
- Eu quero espaço para pensar. E eu não consigo fazer isso com vocês por perto.
- Por quê?
- Porque vocês discutem o tempo todo. Vocês nunca ficam em paz.
- Tem toda razão. Você sabe pelo quê sua mãe e eu passamos durante esses anos, contamos tudo a você. Achávamos que tudo estava perdido, mas escolhemos ter você, quisemos trazer você ao mundo.
- Por quê, pai?
- Porque nada é fácil. O mundo é uma caixinha de surpresas.
- O meu não é uma caixinha de surpresas, pai.
- O de ninguém é, Megan. Isso é uma idiotice que todos esperam que seja.
- Eu queria poder fugir de todos os conflitos diários. Poder me isolar. Sumir do mundo. Fazer com que me esqueçam e se possível fazer o mesmo.
- Eu também queria. Mas acha mesmo que fugindo de tudo você mudaria os fatos?
- Eu sei que não, mas talvez serviria pelo menos para enfrentar bem a realidade.
- E qual é a sua realidade?
- Eu não faço ideia.
- Por quê não tenta descobrir?
Megan se senta e o olha.
Marcelo continua:
- Por quê você não aproveita esse seu "isolamento" para descobrir qual é a sua realidade?
- Pai, posso te perguntar uma coisa?
- O que quiser.
- Se você tivesse algo para fazer, uma escolha, que através dela você pudesse salvar vidas, inclusive a da sua família, se você estivesse destinado a fazer uma coisa, coisa a qual poderia se arrepender amargamente, o quê você faria?
- Essa escolha salvaria de fato nossa família?
- Sim.
- Nesse caso, eu sentiria muito se algo desse errado, mas eu não pensaria nem duas vezes antes de salvar você.
- Então salvar vocês pode ser uma da realidade que procuro.
Marcelo está intrigado:
- Eu não entendo o seu ponto de vista, filha.
- Pai, você acha que eu posso servir de algo?
- Você pode tudo, Megan. Tudo que quiser.
- Eu tenho medo de estragar minha vida.
- De quê exatamente está falando?
- Eu estou prestes a completar 18, meninas com essa idade sabem o que querem, eu não.
- Megan, ouça, você está se tornando uma mulher incrível, você cresceu muito rápido aos meus olhos, eu não conheci ninguém que tivesse uma mente tão aberta à possibilidades como você, não olhe pelos outros, não queira ver pelos mesmo olhos que eles enxergam, você não se iguala a nenhum tipo de pessoa. Sempre que se ver igual a eles estará se diminuindo e se isso acontecer, você se tornará incapaz.
Megan sorri e o abraça.
Nathália abre a porta e os abraçados:
- Que bonito! Vocês nunca me chamam para essas reuniões particulares.
Megan se levanta e diz:
- A senhora não se encaixa nos padrões de desempenho do meu pai.
- Você ouviu isso, Marcelo?
- Ouvi. Ela está apenas sendo gentil, Nathália. Você sempre leva tudo para o lado pessoal. Deveria ver isso.
Marcelo passa por Nathália, beija seu rosto e sai do quarto com um sorriso no rosto.
Ela caminha até a cama e se senta, perguntando:
- Quer conversar?
- Acabei de fazer isso com meu pai.
- Me refiro a você e eu. Conversa de mãe e filha, hum, que tal?
- Não, mãe. Não preciso dessas coisas. Papai já faz o suficiente. E os conselhos dele são natos.
- Você é igualzinha a ele, sabia?
- Não. Mas que está dizendo, nota-se uma pequena semelhança.
- Não falo de aparência. Falo de temperamento e de personalidade.
- Tudo bem. Eu entendi.
Megan se senta ao lado da mãe na cama e segura uma de suas mãos sobre sua perna e diz:
- Mãe, quando eu me olho no espelho, eu vejo os seus olhos. Os mesmos olhos esperançosos, consigo ver uma alma pura, mas então eu paro para pensar, não teria como ser meus esses olhos, não tem lógica, eu nem ao menos combino essa pureza que neles. Sabe tudo que me vêm à cabeça?
- O quê?
- Que tenho uma mulher batalhadora, talentosa, sonhadora e acima de tudo, uma supermãe ao meu lado. Talvez o que eu esteja dizendo vá lhe soar meio bobo, mas eu tenho uma mãe que não descansa até ver o marido feliz, uma mulher que nem sempre pensa em si, não antes de ter dado ao marido os filhos saudáveis, descendentes... Você lutou contra si mesma, contra uma dor que só você sabia o quanto doía, você só queria construir uma família perfeita, embora eu não facilite isso. Você é a minha realidade, mãe. Agora a pouco, meu pai perguntou qual era a minha realidade na vida, eu não soube responder, eu nunca parei para pensar, mas agora, vendo pelo lado mais fácil eu cheguei em uma resposta que estava aqui o tempo todo, eu sempre tive uma resposta e ela sempre foi você, mãe.
Nathália ergue sua mão livre e toca o rosto de Megan, quase chorando.
- Megan, ter você foi o maior presente que pude ganhar na vida. Quando peguei você nos braços e vi seu sorriso se abrir para mim eu enxerguei o mundo como uma saída, uma porta de emergência daquela ruína que eu estava vivendo. E eu não me arrependo de ter trazido você ao mundo.
- Eu sei. Me perdoe se eu nunca reconheci esse lado, se eu nunca apoio suas decisões. E me perdoe também por fazê-la pensar que coloco meu pai em um pedestal, mas não é assim. Eu amo muito você e meu pai, mas vejo tantas filhas sofrendo por não terem tempo e nem um tipo de afeição com o lado paterno e eu não quero perder esse contato, entende?
- Não tem que se explicar, Megan. Eu entendo e acho isso bacana, até mesmo porque eu sou uma dessas filhas que não teve contato com o pai. Eu sou grata por todos os dias pela família perfeita que tenho, pelo marido, filhos, inclusive por você. Se eu não tivesse perdido aquele bebê, eu nunca teria tido você, não saberia como seria seu rostinho meigo, como cresceria e se tornaria uma mulher maravilhosa. Sou muito grata a você, filha, eu não saberia o que seria de mim agora.
Mãe e filha se abraçam.
Nathália diz:
- Não quero que esse momento acabe.
- Desculpe, mas ele precisa acabar. Você está me sufocando, mãe!
- Desculpe, querida.
- Minha nossa!
- Kay deve ter chegado. Vamos descer?
- Amm... Preciso me arrumar. Vejo vocês lá embaixo em meia hora.
- Está bem.
Nathália sorri e sai do quarto.


A ESCOLHA DO LÍDEROnde histórias criam vida. Descubra agora