Dominic
- Você por aqui?
Seu tom de desprezo me deu um pequeno frio na barriga e uma ardência no estômago, mas eu engoliria aquilo, assim como engoli tantas outras vezes.
- Sim. Tenho uma notícia e não achei que seria certo guardar por tanto tempo.
Era verdade. Minha cabeça latejava todas as vezes que pensava que a minha mãe ainda não sabia da gravidez.
Talvez ela surtasse, ou como eu torcia de todo o meu coração, me apoiasse e me acolhesse com bons conselhos, assim como eu já vi acontecer com outras pessoas nos grupos do Facebook em relatos de mães solteiras como eu.
- O que você aprontou? - tento contestar, porém sou interrompida. - Seus dedos não param quietos e você está com a mania de umedecer os lábios. Eu sei bem a cobra que criei..
- Estou grávida!
Solto de uma vez, juntamente com o ar que estava preso em meus pulmões e fecho os olhos como uma criança assustada.
Silencio absoluto.
Não ouço nada além do silêncio cortante naquele cômodo.
Meus batimentos poderiam ser ouvidos à distância e não duvidava que ela estivesse escutando agora enquanto possivelmente aguardava alguma atitude mais madura da minha parte.
Eu poderia ser a mulher mais foda do mundo lá fora. Postura impecável, presença intimidante e pulso firme, mas ela morria quando eu tinha minha mãe ou o meu pai na minha frente.
- Quanto tempo e onde está o pai disso?
A palavra "disso" ficou como um eco em minha cabeça, mas me contive da melhor maneira que pude e mordi a língua quando senti a acidez do que eu queria cuspir naquele momento.
- Dois meses e alguns dias. O pai não está comigo, mas..
- Como é, Dominic? Eu acredito não ter ouvido direito.
Seu tom de voz me trouxe a verdade que eu já sabia como um soco bem dado no meio do rosto.
Ela me rejeitaria e me deixaria sozinha.
- Não estou com o pai dessa criança.
Dessa vez encaro dona Lúcia. A mesma me olha com desprezo, nojo e talvez uma pitada de ódio, mas só talvez.
- Pegue suas coisas que estão no seu antigo quarto e não me apareça mais aqui. Você não é bem-vinda!
O banho de água gelada veio de uma forma mais violenta do que pensei que seria possível.
Senti meus músculos tremerem e minhas pernas falharam. Eu sabia que ela não estava blefando, mas nunca quis tanto algo na vida como quis que ela estivesse apenas de brincadeira, fazendo algum tipo de pressão.
- C-Como assim?
- Se quiser eu desenho ou eu mesma retiro o resto de roupas e suas tralhas daquele cômodo, não vejo problema. Acredito que já esteja grandinha para entender o que eu disse.
- Mãe, eu não posso ficar sozinha nessa! - o desespero me bateu forte e eu agarrei meus cabelos em resposta a agonia que me engoliu - Eu te suplico, não vire as costas pra mim agora!
Meus olhos estavam transbordando e queimavam com o incomodo do acúmulo de lágrimas. Eu me recusava a acreditar, era doloroso demais.
- Tivesse pensado nisso antes de dar essa boceta suja para qualquer homem que tivesse um pau grande o suficiente pra cobrir todo esse espaço que tem entre as pernas!
Na sequência veio um tapa. Forte, estralado e com a mão aberta.
A ardência consumiu o lado esquerdo do meu rosto e eu senti o corte que seu anel de casamento havia deixado ali.
Mas nada, nenhum soco, chute, tapa ou cintada se comparava a dor que eu sentia no peito.
O abandono.
Mais uma vez me via sozinha, com o peso do mundo nas costas e a solidão como bagagem de mãos.
- Se não retirar todo aquele lixo agora, eu mesma faço questão de tirar e queimar. Não vou repetir, Dominic.
Engoli tudo. Absolutamente tudo.
Ergui meu rosto e senti duas únicas lágrimas descerem pelo meu rosto, deixando um caminho molhado e Salgado em meio a maquiagem que agora não deveria estar tão perfeita como quando sai de casa tentando mostrar a mulher perfeita que ostentava com orgulho.
- Tudo bem, mãe. Eu vou retirar.
Caminho em meio ao silêncio tendo somente os meus saltos fazendo barulho pelo corredor.
Entro na última porta do corredor e encontro meu antigo mundo cor de rosa, recordando que nada nunca foi perfeito.
Tento não perder tempo me recordando das coisas que tudo ali me lembrava e puxei duas mochilas antigas que costumava usar quando meu pai me batia e me fazia dormir na casa de algum parente, com o intuito de não ver meu rosto avermelhado pelo choro e pelas surras, quando ele ainda estava conosco.
Dessa vez minha ida seria definitiva.
Guardei tudo que ainda possuía e entre todas aquelas roupas e artigos, encontrei minha melhor - e talvez única - boa recordação.
Meu ursinho do Snoop.
Mesmo sabendo que poderia ser uma cena patética, abraço aquele monte de espumas com um rostinho fofo e me permiti derrubar poucas lágrimas em silêncio.
E acreditem, ele foi o meu conforto.
Passado pouco tempo decido guardar todas as mágoas na mochila e deixar as lamentações saírem quando estivesse em casa.
Meu filho ou filha não merecia sentir tudo que eu estava sentindo em uma sequência tão rápida.
Levanto com uma mochila no ombro a outra em mãos, deixando apenas o quarto com um quadro que guardava com todo o carinho. Na foto estava eu, minha mãe e meu pai. Meu primeiro aniversário e talvez o único que fizeram questão de registrar e comemorar decentemente.
Fecho a porta e sigo em direção à saída, determinada a não ter a sentença final passando pelos olhos da mulher que agora se encontrava na cozinha bebendo uma taça de vinho e olhando para um ponto vazio de sua sala espaçosa.
Giro a maçaneta sentindo os pedaços do meu coração sendo deixados ali no chão e então, por fim, ouço sua voz num tom suave como quem deseja bom dia a alguém.
- Mais uma coisa antes de ir. - travei no mesmo instante, mas não dei a deixa de virar em sua direção. - Não me chame de mãe. Eu não quero ser conhecida pelo condômino e pelo resto da família como mãe de uma vagabunda.
Seus passos são ouvidos e ficam cada vez mais perto, mas me sinto ocupada demais engolindo metade das lágrimas que corriam pelo meu rosto sem piedade para encarar aquela mulher tão perto e ao mesmo tempo tão distante de mim.
- Se vai seguir com isso, eu não me importo, mas quero que saiba bem que não será bem-vinda nessa casa e se considere deserdada. Eu tenho nojo da pessoa que se tornou, Dominic e tenho certeza que seu pai também teria.
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Lucifer.
RomanceVocê tem aquela cara que quase diz: "Amor, eu só sirvo para despedaçar seu coração." +18 - possui GIF's, palavras de baixo calão e menção sobre drogas, agressão e álcool. • Votos e comentários irão influenciar a continuação da história! •PLÁGI...