Pisco algumas vezes sentindo meus olhos ficarem úmidos novamente. Eles ainda ardem, mas não tanto quanto alguns segundo atrás. Assim que faço isso, volto a encarar o teto branco acima de mim pela vigésima vez. Nesse momento, forço mais um pouco meus olhos para que eles consigam se manter abertos por mais tempo. Eu não conto para ter certeza se eu realmente consegui. Pelo menos eu acho que não. É mais uma questão de percepção acredito, um passatempo tolo, que uso para me distrair e evitar de pensar o que pode acontecer quando a porta ao meu lado se abrir. Na verdade eu já sei o que vai acontecer. Pelo menos eu estava certa nas últimas vinte e cinco vezes. Ou seriam vinte e seis? Não tenho certeza.
A luz no teto do cômodo começa a piscar fazendo com que eu me desconcentre e volte a fechar os olhos. Problema no sistema elétrico novamente. Isso é comum de acontecer, já que estamos em meio a um apocalipse e esse deve ser um dos poucos lugares de todo o país que ainda tem luz. Nos últimos dias isso tem acontecido com uma maior frequência, o que me leva a questionar se a instalação está começando a passar por problemas. Não me importo que esteja, pois não fará muita diferença na minha vida. Um probleminha de luz não vai impedi-los de continuarem com os experimentos.
Nos primeiros dias que passei aqui, tudo que acontecia virava uma ponta de esperança para que eu escapasse. Desde uma pequena falha na eletricidade, até um ataque de errantes que entravam devido a erros na construção. Agora que todo o prédio está equipado com seguranças e eles já resolveram praticamente todas as falhas na construção, essa última não é mais uma opção. Quanto a eletricidade, eles são espertos o bastante para não envolver as portas das celas com a energia elétrica. Pelo menos é o que eu acho, já que eu nunca conseguia abrir a porta quando a luz acabava.
Me concentro para voltar para a minha atividade e olho para o teto novamente. Um pequeno barulho do lado de fora me chama a atenção. Barulhos de passos. Diferente dos últimos dias, esses passos estão ficando cada vez mais altos. Não, não pode ser. Já se passaram cinco dias? O barulho da porta se abrindo responde minha pergunta. Solto um suspiro pelo nariz e continuo deitada na cama. Se eles querem me levar que me levantem. A verdade é que não tenho mais forças para fazer isso. Sinto a mão do guarda de preto segurar o meu ombro e empurrar meu corpo para cima, enquanto o outro me mantém de pé. Meus olhos fixam em uma figura parada na porta aguardando eles me tirarem dali. Tenho vontade de vomitar ao encarar Anne com sua cara neutra de sempre.
Anne é a médica da minha seção, se é que podemos chamar isso de médica. Na verdade ela é a médica principal desse lugar, porque na realidade ela manda e os outros médicos fazem. Tenho quase certeza que toda esse ideia de realizar experimentos veio dela. Anne foi a primeira pessoa com quem falei quando cheguei aqui e devo dizer que ela foi bastante convincente ao tentar me fazer acreditar que esse lugar junto com a minha ajuda salvaria a humanidade. Mas como sempre, estava bom demais para ser verdade. Não passou uma semana e já estavam fazendo uma série de experimentos comigo.
No início foram experimentos mais simples, alguns testes com agulhas e estudos do meu corpo, mas no final eles começaram a tirar nosso sangue com mais frequência e injetavam o vírus enfraquecido em nós, o que causava uma dor enorme e iam cada vez mais fundo em cirurgias. Ainda não fizeram comigo, mas já os vi fazerem com outros. A cada dia que passava, as celas ao meu lado iam se esvaziando, porém na maioria das vezes eram repostas com facilidade. Não sei quem está do meu lado esquerdo agora. Lily foi embora de sua cela na semana passada e não voltou mais. Ela chegou aqui antes de mim e já estava bem acabada.
Joey está no meu lado direito. Nós conversamos as vezes quando não estamos cansados demais para isso. É mais algo para passar o tempo sem perder a cabeça. Eu já sei de sua história antes e depois desse fim de mundo. Ele costumava brincar com isso e fazer piadas idiotas. Conversar com ele foi a única coisa que me manteve sã nos últimos dias. As celas ao nosso lado já foram esvaziadas porém ainda estamos aqui. Me pergunto quando vai ser a vez que eu vou sair daqui e nunca mais voltar.
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Jogo de Sobrevivência
JugendliteraturE se o mundo que conhecemos não existisse mais? E se boa parte da população mundial estivesse morta e aqueles que restaram estivessem em guerra? O mundo não é mais o mesmo. Após um vírus se espalhar, pessoas começam a se transformar em monstros qu...