Capítulo 10

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Graças á presença do Matheus, eu estava de pé antes das 11 da manhã no sábado, o que era um pouco incomum.

- Acorda Alyssa! – Ele falou alto, ás 10:30 da manhã no meu quarto, em frente á minha cama.
- Argh, estou com sono, me deixe dormir em paz – eu disse virando na cama para não vê-lo.
- Já são quase onze horas, levante bela adormecida – ele disse, se materializando em minha frente de novo.

Como era comum ás sextas, eu havia dormido às três da manhã, pois não conseguia parar de assistir série

- Vamos tomar sorvete – ele disse decidido.
Finalmente, sentei na cama e olhei para ele com cara de raiva.
- Você nem pode tomar sorvete, idiota.
- Mas você pode, vou te mostrar minha sorveteria favorita.
- São quase onze horas, quem toma sorvete essa hora?? – perguntei sussurrando alto
- Você, qualquer hora é hora de tomar sorvete – Ele disse, como se estivesse dizendo uma coisa óbvia
Abri os olhos com certa dificuldade e pinguei meu colírio, como faço sempre.
- O que você está fazendo, Alyssa? – ele perguntou
- Colocando colírio ué, tenho que colocar todas as manhãs.
- Por quê?
- Porque o médico mandou
- Por quê? – ele pergunta de novo
- Porque tenho um problema no olho
Ele dá um sorriso debochado
-Não tem não.
Ergo a sobrancelha em pergunta silenciosa.
- Você provavelmente já deve ter percebido que antes de seus olhos começarem a coçar, você sempre se sente observada, e esses colírios aí nem mesmo funcionam, não é?
- Sim... – era a mais pura verdade, mas ninguém sabia disso além de mim, sempre achei que era psicológico.
- Então, não é alergia, é que seus olhos estão programados para ver espíritos, mas quando tem algum espírito se escondendo de você, seus olhos tentam ao máximo enxerga-lo, e o esforço é tão grande que eles começam a coçar, entendeu?
Eu estava abismada, que bizarro!
- E como você sabe disso?
Ele fez uma cara de convencido.
- Eu sei de tudo, Sonya Daynor me explicou tudo sobre os práxis.
- Mas... Eu já tinha esse problema bem antes de você morrer.
-Mas... Eu não sou o único espírito que existe no mundo.
Gelei, posso eu, ter sido observada a vida inteira?
- Não se preocupe, provavelmente são só alguns espíritos solitários e entediados que não tem nada pra fazer na morte. O que eles poderiam fazer? – Ele me tranquilizou, percebendo o meu medo.
E até tinha razão, os espíritos nem podem tocar o mundo físico, acho.
- Realmente – respondi.
- Então... Vamos na sorveteria
Revirei os olhos, mas de repente, me surgiu uma verdadeira vontade de tomar sorvete, o que poderia fazer então?

Saí escondida de casa, Leslie nunca me deixaria tomar sorvete de manhã. Matheus me guiou até uma sorveteria que ficava uns 15 minutos de bicicleta da minha casa.
No caminho, decidi que realmente precisávamos conversar
- Então... o que aconteceu com o seu irmão? - perguntei, com o máximo de sensibilidade que consegui colocar em minha voz
ele suspirou
- Foi a três meses atrás. Nós estávamos jogando videogame à noite e eu achei que ele tivesse trapaceado, e acabamos brigando, uma briga idiota de irmãos, normal, brigávamos as vezes. Ele ficou estressado e disse que precisava de uma volta de carro para relaxar, ele amava isso, mas acabou batendo o carro e morrendo. A partir daí, meus pais mudaram muito comigo, e comecei a me afastar dos meus amigos. Fiquei um pouco mais sério e  antisocial...não sentia mais vontade de conversar com ninguém, entrei em depressão, e você já sabe o resto.
Me senti muito mal por isso
- Sinto muito por isso tudo ter acontecido. Mas você não se arrepende nem um pouco por ter se suicidado?
- tudo bem - ele disse, ignorando minha ultima pergunta  e logo tentou mudar de assunto, o que me deixou um pouco frustrada - Ali está a sorveteria

Era meio longe da Philipina's, a sorveteria que eu frequentava com meus amigos, e era bem maior e mais bonita, seu nome era “Donna Fresa”. Tinha um estilo diferente, com móveis super coloridos e bonitos. Estava bem vazia, felizmente
Fiquei em uma mesa azul fluorescente no fundo da sorveteria.
- Abra o cardápio por favor – pediu Matheus
Abri
- Eu sempre pedia esse aqui – ele apontou para um milkshake de creme com pedaços de morango e cobertura de chocolate, parecia incrível.
- Pode me trazer um desses, por favor? – pedi à garçonete que se aproximava da minha mesa.
Ela assentiu e se afastou.
- Você não vai se arrepender – Matheus me disse.
- Realmente espero que não, foi caro pra caramba
Ele levantou as sobrancelhas
- você nunca veio aqui com seus amigos metidos? – ele me perguntou, colocando um pouco de nojo na voz, o que me fez revirar os olhos
- não, nós costumamos ir á Philipina's
Ele fez uma cara de surpresa.
- nossa Alyssa, você não sabe o que é viver antes de tomar esse milk-shake.
Olhei para ele com um ar irônico, um suicida dizendo que eu não sei o que é viver.
- Sabe, eu sempre senti que você é diferente deles
- Dos meus amigos metidos?
ele deu um sorrisinho de canto de boca, aquele sorrisinho estava acabando comigo
- Sim. Você tem um ar muito doce para andar no meio deles.
Sorri
- Eles são muito legais. Parecem ser metidos, mas você adoraria conhece-los, garanto
- sempre tive vontade de conhecer você, quando eu era vivo
fiquei sem saber muito bem o que responder, e me senti um pouco mal por que eu nem sabia quem ele era
- Se você tivesse me dito, com certeza seriamos grande amigos.
Ele fez uma cara de 'agora é tarde'
- Céus como tenho saudades desse milk-shake – ele disse quando a garçonete apareceu ao meu lado.
- obrigada – eu disse, tentando disfarçar, envergonhada, o fato de estar falando sozinha.
Ela saiu me olhando estranho, e antes que eu pudesse retomar o assunto com Matheus, ele disse apressadamente.
- Vá, tome o milk-shake
Tomei, e foi, realmente uma sensação incrível, com certeza a melhor coisa que eu já havia provado na vida. Era doce, mas não em excesso, graças aos pedacinhos de morango, e sua calda de chocolate era morna e cremosa. Arregalei os olhos olhando para o milagre que eu havia acabado de tomar.
- Eu sabia! Ninguém resiste a isso, é maravilhoso! – ele se gabou.
- É incrível!
- É perfeito!

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