Capítulo 2

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O resto das aulas passou com uma vagareza que eu não achava que fosse possível, mas inacreditavelmente acabou.

Como todas as segundas feiras, encontrei com Allan no estacionamento da escola. Ele era tipo, o gênio da matemática, e dizia que ensinar matemática o ajudaria a se desenvolver ainda mais, e eu precisava de um pouco de ajuda, então sempre íamos à casa dele estudar juntos. Ele mora em um bairro vizinho ao meu, o que facilita ainda mais o nosso estudo.

Normalmente, eu me esforçava o máximo possível para prestar atenção no que ele dizia, mas eu estava distraída demais. Não conseguia pensar em nada além da morte de Matheus Castellan. Em como ele era só um ano mais velho que eu, em como ele deve ter sofrido, em como ele morreu do mesmo jeito que a minha mãe.....

- Alyssa? - Era a voz de Allan interrompendo meus devaneios - Entendeu?

Ele olhava para mim e apontava com um lápis para um triângulo desenhado na folha á minha frente. Nem tinha visto o triângulo lá

Eu olhei para Allan com um olhar provavelmente meio confuso e desesperado.

- Em que universo paralelo está? - Ele perguntou rindo com paciência - Nárnia?
-  Nárnia deve ser incrível - eu sorri - desculpe, me distraí

- Eu percebi - Ele disse com um tom de voz debochado - Em que parte "se perdeu"?

- Na parte em que você abre o livro - Eu respondi, esboçando a melhor cara de "me perdoe"

Ele suspirou risonho e fechou o livro.

- Pronta? - Ele perguntou me olhando - Voltou para a Terra?

- Por enquanto estou aqui - Eu disse me rendendo e admirando demais sua paciência

Ele abriu de novo o livro e começou a me explicar tudo de novo, sempre observando se eu estava concentrada ou não, e eu estava. Os ângulos e triângulos estavam começando a fazer muito mais sentido.

- E agora?Entendeu?

- Entendi mais de 20 por cento do que você disse - Eu respondi

- Com 20 por cento você consegue fazer a atividade - Ele jogou uma folha na minha frente

Com "um pouco" da ajuda dele, consegui fazer todas as questões.

- Muito obrigada pela paciência Allan - Eu disse, após terminarmos tudo.

- Não foi nada - Ele disse enquanto me guiava em direção à porta 

- Estudando muita matemática, Alyssa? - Me perguntou o Sr.Perniz, pai de Allan, surgindo na sala

- Tentando - Eu respondi, dando o meu melhor sorriso

Nesse momento, Lupi, o cachorro dálmata de Allan chegou perto de mim e começou a me cheirar.

- Oi Lupi - Eu disse carinhosamente, fazendo carinho na cabeça dele. Ele em seguida me deu uma lambida, um latido alto e saiu correndo

Sr. Perniz me analisou com seus olhos castanhos e inteligentes, como os de Allan. Ele era simpático, mas tinha algo de muito misterioso nele, e eu não conseguia explicar o que era.

Houve um momento de silêncio um pouco constrangedor no qual ele me analisou e me senti extremamente julgada e desconfortável. Ele deu um sorriso estranho e por fim disse:

- Boa sorte - E como se estivesse se esquecendo de algo completou - com a matemática.

- Muito obrigada, boa tarde- Respondi e saí.

Não senti vontade de ir para casa, então resolvi dar uma volta de bicicleta pelo centro da cidade, quando uma lojinha me chamou atenção. Era uma lojinha bem pequena, sua fachada era dourada com o nome Bunger’s escrito em itálico. Ficava meio escondida entre um grande centro médico e um grande condomínio de casas. Ficava bem no centro da cidade, mas eu nunca havia a notado. Parei a bicicleta em frente à loja e entrei. Fiquei surpresa ao entrar, pois ela era muito diferente da maioria dos lugares que eu já havia ido.

Era um lugar meio rústico com uma fraca iluminação e um forte cheiro de incenso. Nela, vendiam-se antiguidades e artesanatos. Era bem pequena com apenas algumas prateleiras cheias de bugigangas.

A loja estava aparentemente vazia, até que tomei um susto ao notar uma moça atrás de um balcão de madeira na minha frente.

- Boa tarde - Eu cumprimentei-a com um sorriso, tentando disfarçar o quase ataque cardíaco que acabara de ter.

-Boa tarde - Ela disse, era bonita e parecia ser bem jovem

Havia coisas muito lindas lá: colares, incensos, filtros dos sonhos, quadros etc. Atraí-me especialmente por um anel. Ele era dourado, fino e tinha uma pedra rosa no centro. Experimentei-o. Cabia perfeitamente no meu dedo do meio.

- Quanto custa? – Perguntei à moça no balcão.

- Nada, pode levar- Ela disse fazendo um movimento no pulso, enquanto me encarava com um sorriso simpático, como se ela não tivesse o mínimo interesse pelo dinheiro. Achei estranho que ela deixasse eu ficar com o anel, mas não vou reclamar né?

- Muito obrigada- Agradeci com um sorriso e saí da loja

Peguei minha bicicleta, já estava ficando tarde. Resolvi ficar em uma praça que tem na minha rua antes de ter que entrar em casa. Queria ficar mais um pouco ao ar livre. No caminho para lá, me senti muito observada, mas ignorei. Então decidi ficar em um banco de madeira observando o nada, pensando em nada. A praça estava deserta, não havia ninguém além de mim. Até que fui abruptamente interrompida do meu estado de transe

-Olá. – Disse um garoto desconhecido que acabara de chegar e sentou-se ao meu lado

Ele era meramente reconhecível, mas eu não fazia ideia de onde, “devo tê-lo visto na rua qualquer dia”, pensei. Ele devia ter uns 16 anos, e se vestia inteiramente de preto.

-Oi- Eu respondi

-Você mora por aqui? – Ele perguntou, sua voz era calma, e baixa, ele tinha um tom muito bonito, quase rouco

-Sim- Eu disse- E você? Mora por aqui?

-Não- Ele respondeu devagar sem olhar diretamente para mim- Só estou fazendo uma visita

-Legal – Eu disse, sem saber muito bem o que dizer.

Fiquei ainda algum tempo lá sentada, pensativa, com o garoto ao meu lado. Ele tinha uma postura um pouco relaxada e séria ao mesmo tempo, parecia bastante distraído e pensativo também, até que olhei o meu relógio.

- Tenho que ir - Eu disse

-Tudo bem - Ele respondeu - Esqueci-me de me apresentar - Ele disse dando um leve sorriso de canto de boca e levantando-se do banco vagarosamente, mas com facilidade – Meu nome é Matheus. Matheus Castellan.

Além dos CorposOnde histórias criam vida. Descubra agora