Capítulo 13

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Acordei com o brilho da luz do sol, que pintava uma listra amarela na parede do meu quarto. A parede era forrada com um papel cor-de-rosa de desenho floral, que resplandecia com a luz solar. O ar estava decididamente frio e seco, e debaixo da colcha tão quentinho e aconchegante, que eu não sentia o menor desejo de me mexer. Virei a cabeça, observando os detalhes do quarto. Havia um armário no canto, uma velha e surrada arca, e uma bela escrivaninha com agarradores de metal e tampa do tipo esteira contra a parede. Um tapete tecido à mão estendia-se no chão, e a janela era coberta por uma graciosa cortina de laços. Era tudo tão campestre, e tentei imaginar o meu sofisticado pai advogado vivendo naquele quarto. Com certeza não havia sobrado nenhum traço da personalidade adolescente dele naquele ambiente: nenhuma bandeirola de times de beisebol nas paredes, nenhum pôster de mulheres ou cachorros, nada enfim que pudesse revelar o tipo de pessoa que ele devia ter sido. Ainda agarrada a colcha, me sentei apenas o suficiente para poder enxergar o que havia do outro lado da janela, e tive de suspirar com o que vi. O céu estava profundamente azul, límpido, e as árvoreses atrás da casa eram uma espetacular mistura de vermelho e dourado. Por trás delas uma série de pradarias se enfileirava até chegar num rio margeado por árvores, e por trás do rio as montanhas se elevavam até os picos já brancos de neve. Eu me perguntei se teria nevado lá em cima durante a noite. A neve parecia fresca, tão branca e brilhante a luz do sol que
quase doia olhar para ela. E, enquanto eu admirava tudo isso, um cavaleiro
solitário apareceu a galope através dos prados. A crina do cavalo tremulava ao vento, e o cowboy parecia bastante à vontade em cima da sela. Era quase como se eles fossem uma só criatura. Quando se aproximaram mais, reconheci o cavaleiro: Rich Winter, o rapaz que andara caçando sapos para me dar as boas-vindas.
Desviei o olhar da janela, subitamente desinteressada pela vista. Senti um aroma de café e estiquei o braço para pegar o meu roupão.
Vovó estava acordado, mancando para là e para cá na cozinha.
- O café esta pronto - disse ele assim que me viu, apontando para o bule em cima do fogão.
- Obrigada, mas eu não tomo café de manhã.
- Não toma? - perguntou ele, parecendo aterrorizado.
- Bem, gosto de tomar um cappuccino ou um moncha na cafeteria com os meus amigos em outras horas do dia. Mas no café da manhã eu não gosto.
Ele me olhou como se eu estivesse falando um língua estrangeira e balançou a cabeça.
- Cresci tomando uma bela caneca de café forte para começar o dia e não acho que isso tenha me feito mal algum - disse ele. - Então o que você toma normalmente? Chá?
-Suco de laranja fresco. A gente tem um espremedor em casa.
- Bom, pois hoje vai ser café ou nada - retrucou ele. - Acho que vai ter de
aprender a mudar os seus hábitos extravagantes se for morar aqui.
- Não pretendo ficar aqui mais do que o estritamente necessário - repliquei.
-Oh...
- Para começar, eu nem queria vir para cá - declarei. - E continuou não querendo ficar aqui. Estou contando os dias até eles me deixarem voltar para Nova York...
Ele sorriu.
- E o que te dá tanta certeza de que vai querer voltar correndo para aquela
ratoeira?
Olhei de esguelha.
-E o que há aqui para mim? Vou morrer de tédio - respondi.
Ele sorriu como se soubesse de algum segredo, e naquele momento decidi que o odiava. Eu já o detestara quando era pequena e ele caçoara de mim por ter medo das coisas. Ele não tinha evoluido nada. Não me surpreendia nem um pouco que papai tivesse ido embora assim que pudera. A única coisa que eu não conseguia entender era por que raios ele tinha querido voltar!
O grande relógio da sala bateu as sete horas.
- Sete horas! - exclamei. - Estou em pé as sete, e nem sequer é dia de aula!
-Ja é tarde para estas bandas, acordo as cinco, como a maioria das pessoas por aqui. As tarefas do sítio têm de ser feitas cedo.
Naquele momento o resto da familia chegou à cozinha em grupo, todos vestido com jeans e suéteres.
- Estou congelando aqui embaixo - disse mamãe. - Estava tão quentinho na cama, debaixo da colcha!
- A minha cama estava quente como um forno disse Katie.
- Se vocês querem mais quente aqui embaixo, alguém vai ter de ir lá fora cortar lenha - comentou vovô.
- Esse é um trabalho para os homens -afirmou papai. - Vamos lá Beau, venha
comigo.
Eles colocaram seus casacos, e logo os sons de machado batendo na madeira
infiltraram pela janela. Do machado e de inúmeras exclamações impublicáveis de meu pai e de risadas histéricas de Beau. Eu estava louca para ir lá fora assistir a tudo, mas fiquei com receio de que meu pai se distraísse e arrancasse um dedo do próprio pé com uma machadada. Então nós esperamos. Mamãe cozinhou um mingau de aveia e farelo de trigo, e vovô fez algumas torradas, e eu até bebi um copo de café para me aquecer.
A porta se abriu e "Os homens" entraram, papai com uma braçada de toras e Beau com alguns gravetos.
Vovô começou a rir,
-Em todo esse tempo só conseguiram cortar esse pauzinhos?
- Perdi a prática - disse papai tranquilamente. - Faz vinte anos que não faço isso, lembra? Nós não temos de cortar muita lenha em Nova York. Mas no finalzinho eu já estava retornando a velha forma.
-Acho que vocês se sairam maravilhosamente - elogiou mamãe. - Os dois.
- Ensine o menino a rachar lenha, Jake - recomendou vovô. - Vai ajudar a
fortalecer esses bracinhos de mosquito.
- Vou fazer isso todo dia - disse Beau, orgulhoso. - Assim, quando nós voltamos a Nova York, vou poder dar uma surra em todos aqueles garotos que roubaram o meu dinheiro do lanche.
-Todos nós precisamos fortalecer os músculos se quisermos ser de alguma
utilidade aqui - observou papai. - Eu, por exemplo, não tenho força suficiente nem para laçar um novilho.
- Eu também tenho de fortalecer os meus músculos se quiser plantar uma horta - concluiu mamãe.
Olhei para um e para outro, atônita. Eles estavam realmente desejando pôr a mão na massa. Eles estavam realmente entusiasmados!
- Acho que vou lá para cima terminara minha carta para o Brendan - acabei
falando.

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