Capítulo 23

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O sorriso dele se abriu ainda mais.
- Olha, sinto muito por ter irritado você ontem a noite. Realmente não tinha a mínima idéia. Caramba, como é que a gente poderia saber como se fazem as coisas lá em Nova York? Não quis ofender.
- Não ofendeu - afirmei, ao mesmo tempo que reparava que a mão dele ainda repousava sobre o meu braço.
A pirâmide estava sendo refeita pelas garotas, e os garotos estavam rindo delas feito uns bobocas.
- Uma pirâmide! Ah-ah! Realmente impressionante, garotas. Só não envergonhe a gente tentando fazer isso no intervalo do jogo.
-É melhor você se preparar, Chuck Harris! - rebateu Becky.- Talvez envergonhemos vocês por fazer o jogo parecer um pouco interessante em comparação com o nosso show no intervalo.
-Claro, claro - disseram os garotos, saindo do salão.
- Vamos mostrar para eles -murmurou Mary Jo.
Eu me virei para ver Rich já saindo também, junto com os outros. Ele olhou para trás, e lhe lancei o meu melhor sorriso. Ele me retribuiu com um dos mais maravilhosos sorrisos que eu já vira.
- Incrivel o jeito como Rich te pegou no ar! - disse Becky, admirada. - A gente podia incluir isso no programa.
-Você está louca! - repliquei. - Da próxima vez ele poderia me deixar cair!
Elas me enlaçaram com os braços enquanto voltávamos para o vestiário feminino.
-Estou tão ansiosa! - disse Becky. - Não vejo a hora de fazermos o nosso show.
- Vai ser o melhor show de todos os tempos -observou outra. - Talvez até ganhemos o campeonato estadual entre equipes de animadoras de torcida, agora que temos a Amber.
Elas estavam tão excitadas e falando alto, completamente diferente das garotas doces, timidas e inseguras que eu tinha encontrado uma hora antes. De repente me vi pega de roldão pelo entusiasmo delas. Imaginei todos os maravilhosos números que eu havia ensinado a elas. E me vi segurando a taça que ganháramos no campeonato estadual. Eu seria a heroína da escola.
"Espera ai", disse a mim mesma, voltando à realidade num estalo,"você não esta querendo se envolver com nada nem com ninguém por aqui. Você não quer se divertir. Você quer voltar para casa". Eu me lembrei do que Brendan dissera a respeito de meus pais desistirem e voltarem para Nova York no fim do ano. Considerando o talento de mamãe para fazer pão e as tensas relações de papai com vovô, bem que isso poderia mesmo acontecer. Tinha sido a minha esperança secreta o tempo todo, mas de repente me peguei pensando que o fim do ano seria muito cedo. O campeonato estadual era só em fevereiro!
Trabalhamos duro a semana toda, tanto na hora do almoço quanto na última aula, que era livre, praticando como umas loucas. Fui obrigada a admirar o entusiasmo delas. Em Nova York não era de bom-tom demonstrar entusiasmo. Tudo devia parecer um tédio, e você tinha de se ligar só na última hora. Aquelas garotas ferviam de entusiasmo, como os atores das propagandas de chiclete na TV. E não
desistiam de jeito nenhum. Caíam, se machucavam, se sentiam umas idiotas, mas logo davam a volta por cima e tentavam de novo. E, apesar de achar que um show daqueles no intervalo de um jogo de rúgbi era um fato totalmente insignificante para mim, acabei me contagiando com o entusiasmo delas. Agora eu queria que fizessem sucesso. Lá pelo fim de semana já conseguira ensinar a elas algumas acrobacias que impressionava bastante, mas que eram na realidade muito simples. E encontrei um uniforme para mim que daria conta do recado. Fiquei parada na frente do espelho do vovô, me olhando. Amber Stevens, uma animadora de torcida, com pompons e tudo. Achei que tinha ficado muito bom, até me lembrar de Brendan e Suzanne. Eles morreriam de rir da minha cara se me vissem. Nao falei nada sobre a equipe de animadoras de torcida na minha carta seguinte para Brendan. Nem mencionei Rich também, apesar de ter me sentado ao lado dele no ónibus escolar nas últimas duas tardes. Continuava a dizer a mim mesma que não havia nada ali além de um garoto amigável e simpático tentando ser gentil com uma recém-chegada. Tinha direito de ter amigos homens, não tinha? Quando pensei nisso, percebi que não estava disposta a passar um ano inteiro na infelicidade. Só queria que os meus pais achassem que eu estava infeliz, para que assim me mandassem de volta para Nova York e para a Dover School. De volta para Brendan e Suzanne. E ter Rich como amigo e sair com ele não seria a pior
maneira de passar o ano.
Rich era uma pessoa simples, um garoto do campo. Nunca seria como Brendan. Nunca seria capaz de fazer observações inteligentes e sofisticadas como Brendan, ou de me fazer rir como o Brendan faziam ou de me fazer sentir pegando fogo quando me beijasse, como Brendan. Então me perguntei como seria se Rich me agarrasse com aqueles seus braços possantes e musculosos, seus lábios se movendo em direção aos meus, e... "Chega! Pare com isso!", gritei para a minha imaginação. Brendan era especial e maravilhoso, e ele era o meu garoto. "Brendan Cooper", escrevi em todas as margens da minha agenda. Meu Brendan Cooper.
Foi estranho eu estar pensando nele naquela quinta-feira à tarde, porque logo em seguida, quando entrei em casa, o telefone tocou, e era ele próprio. Dessa vez não havia ninguém por perto escutando.

Coração divididoOnde histórias criam vida. Descubra agora