Capítulo 15

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Agora na brilhante luz do sol, eu podia vê-lo com clareza pela primeira vez. Cabelos castanhos escapando por debaixo do chapéu de cowboy, sardas no nariz, como eu, e uns chamativos e cintilantes olhos azuis. Tive de admitir que ele tinha crescido bastante com relação ao menino mirrado que ficava na minha memória. Rich era decididamente forte. Apesar do frio, vestia somente uma camiseta de manga comprida e jeans, e a camiseta aderia-se aos músculos dele como se fosse uma segunda pele.
- É melhor eu voltar - murmurei, por não saber o que mais dizer e por querer escapar o quanto antes daquele sorriso zombeteiro.
- Acho que a gente vai se ver bastante disse Rich - Já que vamos pegar o mesmo ônibus para a escola todas as manhãs. Talvez isso dê a chance de ensinar a você a diferença entre um touro e uma vaca!
-Obrigada, mas não tenho a minima intenção de me sentar perto de você no ônibus - disparei. - Ainda tenho uma certa aversão a sapos.
O sorriso dele cresceu ainda mais.
-Ah, desisti de sapos há alguns anos- disse ele. -É coisa de criança.
-Fico feliz em saber.
-Agora prefiro as cascavéis.
-Puxa, vocês garotos do campo são tão divertidos - repliquei. - Não sei como vou fazer para aguentar o agito daqui.
Ele não capturou o meu sarcasmo.
- É, acho que devemos mesmo ser mais interessantes do que aqueles almofadinhas da cidade. Eles já nascem de paletó?
Eu estava ficando mais irritada a cada segundo. "Espere só até esse caipira deste fim de mundo sentir o gostinho amargo de um bom insulto nova-iorquino, do velho e bom sarcasmo nova-iorquino", pensei. "Aí ele vai saber o que é bom para a tosse."
Infelizmente eu ainda estava cansada da viagem do dia anterior e minha mente devia estar um pouco atordoada por causa do encontro com o touro, desculpe, vaca. Não consegui me lembrar de nada muito espirituoso.
-Com licença, seu cavalo esta bloqueando a minha passagem - disse eu com frieza glacial. - Meus pais já devem ter voltado das compras.
Ele girou seu cavalo para o lado e voltou em trote fácil pela trilha por onde viera, ao mesmo tempo que eu caminhava para casa com o máximo de dignidade que consegui reunir. "Não é justo", pensei enquanto caminhava. Havia ficado meio cega pelo pânico, por ter pensado que estava sendo caçada por um touro furioso, e lá ficava ele sentado em seu cavalo, me olhando de cima e rindo. Eu não estava habituada a ser olhada de cima ou gozada, e muito menos por um cowboy caipira!
Espere só até eu me recuperar. "Ele vai se arrepender", prometi a mim mesma, pensando em todas as espirituosas e desmoralizantes palavras ofensivas que poderia usar contra Rich.
Quando ia me aproximando de casa, pude ver que minha família tinha acabado de chegar e estavam todos descarregando sacos de mantimentos do carro.
-Como foi a sua caminhada, amor? - perguntou mamãe. - Viu algo interessante?
-Não muito. Um monte de vacas -respondi, tentando parecer neutra.
-Vacas? Você me leva para vê-las? -pediu Katie. - A gente não pode visitá-las?
-Depois do almoço - grunhiu papai, carregando um pesado sacos de compras. - Dê uma mão, Amber.
-Vocês compraram o suficiente para alimentar um batalhão - comentei, pegando uma das sacolas.
-Bom, o armário da cozinha estava completamente vazio - disse mamãe. - e é uma bela viagem daqui até o armazém. Eu não queria me esquecer de nada.
Vovô ficou lá em pé comandando a nós todos como se fosse um general, enquanto passávamos com sacos e caixas cheias de provisões.
O almoço foi sem dúvida bem melhor do que tinha sido o café da manhã. Mamãe tinha comprado montes de frios, ingredientes para fazer uma bela salada, e pão fresco.
-Vou ter de aprender a fazer o meu próprio pão - observou ela. - A padaria mais próxima fica a quase quarenta quilómetros daqui. Não podemos rodar tudo isso cada vez que precisarmos de pão.
- Você poderia pegar pão quando for nos levar à escola. Assim não precisaria fazer pão em casa - sugeri.
-Mas eu quero fazer pão - retrucou ela. - Além de quê, que história é essa de levar vocês para à escola? Tem um ônibus que recolhe todos os alunos por aqui.
-Mãe, não quero ir num ônibus com um monte de caipiras. Vão colocar sapos nas minhas costas de novo ou coisas ainda piores.
-Você vai ter de aprender a lidar com isso, Amber - disse mamãe. - Vamos viver com simplicidade de agora em diante. Só vamos usar o carro quando não houver outra saida.
Eu estremeci. Provavelmente eles iam acabar trocando o carro por um cavalo ou uma charrete, ou por um par de mulas. A vida tal qual eu a conhecia estava se evaporando rapidamente.
-A gente pode dar um passeio para ver as vacas agora: - perguntou Katie, assim que o almoço terminou.
-Está bem - respondi, tentando soar mais animada do que realmente estava.
Andamos pelo mesmo caminho que eu tinha feito pela manhã. Já era tarde
avançada, e o sol parecia uma bola vermelha pendurada por cima das montanhas do oeste. Os picos nevados brilhavam com os reflexos rosados do crepusculo.
-É bonito aqui. Eu gosto - disse Katie. - Você gosta também?
-É bonito - respondi -, mas sinto falta dos meu amigos. Não vou conseguir ter amigos aqui. Vou odiar este lugar.
-Vou ter amigos - afirmou Katie, se afastando de mim aos pulinhos e cantando. - Vou ter uma vaca. Vou ter um cachorrinho. Vou ter um gato.
Reparei que um pássaro enorme, talvez uma águia, estava voando em circulos lá no alto. Parei para admirar sai maneiro preguiçosa e suave de deslizar pelo ar sem sequer mexer as asas. Eu adoraria ser capaz de voar daquele jeito, só aproveitando as correntes e planando. "Vou ter de descobrir que tipo de pássaro é aquele", pensei. Vou ter de aprender esse tipo de coisa para viver por aqui." Então me lembrei de Katie. Provavelmente ela já se aborrecendo de me esperar.
Olhei para todos os lados, mas não a vi em lugar algum.
-Katie? - chamei, ao mesmo tempo que me apressava pela estrada abaixo. - Katie, não vá se perder! Espere por mim!
- Eu estou aqui, Amber! - gritou Katie. - Encontrei uma vaquinha amiga. Olhe!

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