Capítulo 32

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Enquanto carregava uma braçada de lenha para levar para dentro de casa, repassei mentalmente tudo o que havia feito: o trator e os fardos de feno, a lenha, o leite, as galinhas, cuidar de quatro pessoas doentes... E fiquei bastante impressionada comigo mesma. Era a primeira vez em minha vida que tinha que fazer algo realmente duro, e conseguira. Em Nova York sempre esperara que alguém tomasse conta de mim enquanto me divertia. Nunca precisara fazer nada que fosse realmente um desafio, como as coisas que estava fazendo agora. Senti-me
autêntica. E orgulhosa de mim mesma.
- Vamos levar esse carregamento de lenha para dentro - sugeriu Rich - E então vemos o que mais precisa ser feito.
- Isso é muito legal da sua parte, Rich - agradeci novamente.
-Sempre ajudamos os vizinhos por aqui - afirmou. - Faz parte do código de honra das montanhas.
No começo pensei que estava falando sério. Mas logo percebi um brilho maroto em seu olhar.
- Ora, Rich, sem essa - disse rindo, dando-lhe uma pequena cotovelada. -Não acredito que você seja mesmo o montanhes rústico por quem se faz passar.
Rich sorriu e foi andando na minha frente rumo à casa.
- Agora sim! - ouvi vovô dizendo quando viu Rich se aproximar com os braços cheios de lenha. - Ela conseguiu trazer o meu trator de volta em uma peça só, Rich?
- Com certeza, Mr. Stevens - Rich respondeu. - Ela fez o serviço como uma profissional. O senhor arranjou uma neta muito bem-dotada.
- Eu estava pensando a mesma coisa - assentiu vovô. - Lembra-me bastante a avó dela.
Parei no corredor e olhei surpresa para o meu avô. Então no fim das contas ele não me achava uma mimada e inútil! Mas porque não podia vir me dizer essas coisas pessoalmente? Havia construido um muro protetor envolta de si mesmo e não parecia disposto a derrubá-lo tão cedo. Quando entrei na sala com os braços carregados de lenha, vovô me olhou sem expressão alguma.
- Perdeu algum dedo do pé hoje? - rosnou ele. - Ou Rich mostrou a você o jeito certo de fazer isso?
- Estou mostrando a ela o jeito certo de fazer várias coisas - interrompeu Rich, com seus olhos flertando comigo de uma forma tão descarada que eu corei, mesmo não tendo nenhuma razão para isso. - O que mais precisa ser feito, Mr. Stevens?
- Já que você se oferece, estava pensando que seria bom limpar a neve do caminho da entrada, para o caso de nevar mais depois.
-Sem problemas - disse Rich. - Vamos lá, Amber. Mostre-me onde estão as pás.
-Isso vai fortalecer os seus musculos.
Um mês antes eu teria reclamado como uma louca pôr ter de limpar a neve da entrada com uma pá. Mas por alguma razão a idéia me pareceu divertida naquele dia. Troquei as minhas luvas sujas e molhadas por outras limpas e secas, e me dirigi para a porta da frente.
-O último a chegar é mulher do padre! -gritei.
Nós dois saimos aos trancos e barrancos pelo corredor e chagamos à porta ao mesmo tempo, rindo alto, soltando gritos e lutamos para ver quem conseguia passar primeiro.
-Não façam tanto barulho! - disse Beau lá de cima. - Estou com dor de cabeça. E, já que vocês estão ai, daria para alguém me trazer um pouco de molho apimentado, umas batatinhas e uma taça de sorvete?
-Parece que alguém está sarando -comentou Rich sorrindo, enquanto se afastava para me deixar passar pela porta primeiro.
-Se você está bom o suficiente para comer molho apimentado, então também está bom o suficiente para descer aqui e se servir! - vociferei.
Não houve resposta.
Encontramos as pás e trabalhamos na neve profunda no fim do caminho de entrada do rancho. Era trabalho duro. Depois de pouco tempo a neve parecia tão pesada quanto o cimento, e tinha a sensação de que minhas mãos iam se partir a qualquer momento. Mas Rich estava lá do meu lado, trabalhando dez vezes mais duro do que eu.
- Ei, Amber! - chamou ele quando eu já estava aponto de sugerir que parássemos.
Levantei os olhos para ele e uma bola de neve veio explodir bem na minha cara.
-Você pediu e vai ter!- gritei. Preparei também uma bela bola de neve e a atirei nele.
-Errou! - retrucou Rich.
-Brincadeira besta -disse eu. - Não vamos conseguir terminar de limpar o caminho antes de escurecer se não voltarmos ao trabalho já.
Comecei a trabalhar com a pá de novo, mas fiquei vigiando Rich com o canto do olho. Dissimuladamente preparei mais uma bola de neve com as mãos e, justo quando ele estava se curvando para levantar uma grande massa de neve com sua pá, deslizei por trás dele e enfiei a bola por dentro de seu colarinho.
-Isso é por ter colocado um sapo nas minhas costas! - grunhi, pulando e dançando ao redor de Rich enquanto ele tentava tirar a bola de neve de dentro da sua camisa.
- Agora você vai ter, garota! - disse ele.
Joguei no chão a minha pá e saí em disparada quando vi que ele já vinha na minha direção. Tentei correr, mas a neve estava terrivelmente profunda, e Rich conseguia ser mais rápido do que eu. Nós nos aproximávamos da casa. O quintal com o celeiro e o barracão estava à nossa direita, e havia uma cerca entre nós e o celeiro.
Eu sabia que algum dia todos aqueles anos de ginástica olímpica iriam ser úteis. Aproximei-me da cerca e voei por cima dela com um pulo.
-Não é justo! - gritou ele. - Tinha me esquecido dessas suas habilidades circenses!
Ficamos lá, com a cerca nos separando, em pé e rindo desafiadoramente um para o outro.
- Volte aqui - disse Rich. - Temos de acabar de limpar o caminho.
-Só se me prometer não jogar mais bolas de neve em mim.
-Certo, eu prometo.
Escalei a cerca, e Rich esticou os braços para me pegar quando eu pulei. Ficamos em silêncio de mãos dadas, nos olhando.
-Tem uns flocos de neve nos seus cílios -vobservou ele por fim. - Fazem você ficar incrivelmente bela.
-Como é, é para hoje ou para amanhã que eu vou ver esse caminho limpo? -
esbravejou vovô da porta da casa. - E você pergunte ao rapaz ai se ele não quer almoçar- acrescentou, dirigindo-se a mim. Vocês ainda não comeram e já são quase três da tarde. Fiz uma grande panela de ensopado.

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