Capítulo 21

25 2 0
                                    

-Você não entende mesmo, não é?-continuei. - Mas como você poderia entender, se esta atolado aqui neste fim de mundo? Provavelmente vocês compram todas as suas roupas por catálogos. Por favor, leve tudo isso de volta e diga "não, obrigada". Tenho roupa de sobra, na verdade um guarda-roupa abarrotado.
A essa altura eu já estava quase gritando:
-Você poderia ir agora, por favor?pedi.
- Tudo bem - disse ele. - Eu não queria chatear você.
- Mas chateou. Você me ofendeu, e isso apenas confirma o que eu já sabia: que não pertenço a este lugar.
Ele pegou a caixa.
- Só estávamos tentando ser amigáveis -desculpou-se Rich. - Queriamos que se sentisse bem-vinda.
-Não quero fazer amigos aqui - rebati. - Só quero voltar para o meu lugar.
- Faça como quiser - concluiu, desaparecendo na escuridão da noite.
Minha mãe me parou quando eu subia as escadas correndo.
- Foi muito gentil da parte de Rich te visitar... - disse ela.
- Ah, sem duvida, foi maravilhoso. Adorei cada minuto dessa visita -repliquei. -Ele me trouxe roupas, mãe. As garotas da escola ficaram todas com muita pena de mim porque o meu macacão tinha buracos nos joelhos. E não tem graça nenhuma!- acrescentei ao ver que ela começara a rir.
-Desculpe, meu bem, mas é que tem muita graça, sim - observou ela, ainda rindo. -E você pediu por isso, se vestindo com as suas roupas mais rebeldes logo no primeiro dia. Eles são muitos conservadores por aqui, sabe? Com certeza não entendem a moda do Greenwich Village.
-O que prova mais uma vez que o meu ponto de vista esta certo - retruquei.
-Disse que ia odiar isto aqui. Vocês percebem agora pelo que estão me fazendo passar? Não posso voltar àquela escola e encarar aquelas garotas de novo. Vou ser motivo de riso para todo mundo.
- Claro que não vai. Acho que esse gesto de te mandarem as roupas foi muito gentil da parte deles. Tudo o que você precisa colocar é umas roupas menos espalhafatosas até se entrosar.
- Não quero me entrosar! gritei.-Quero voltar para casa!

Meus pais tiveram praticamente que me arrastar até o ônibus da escola na manhã seguinte. Eu não sabia como iria fazer para encarar todos aqueles caipira ignorantes. E mais importante, não sabia como iria conseguir encarar Rich. Com certeza aquela altura ele já devia ter comentado com todo mundo sobre a cena que eu fizera na noite anterior. Eles estariam todos cochichando pelas minhas costas e dando risadinhas abafadas quando eu passasse. Foi só quando meu pai ameaçou me carregar até a sala de aula em seus ombro que concordei em ir.
Estava determinada a fazer com que ninguém mais tornasse a pensar que eu era pobre. Vesti minha calça de seda pura, meu suéter importado de caxemira inglesa e minha jaqueta de couro preta. Para que eles vissem que eu podia me vestir como uma garota de um milhão de dolares se quisesse.
Os olhos de Rich se arregalaram de surpresa quando entrei no ônibus. Lancei-lhe o meu mais hostil e desafiador olhar quando passei ao seu lado. Ele corou e fingiu estar ocupado com uma apostila. Mas logo que me sentei comecei a me sentir mal pela forma como tinha gritado com ele na noite anterior. Afinal, ele fora apenas o mensageiro. Estava só tentando ajudar. Não era culpa dele que nós fossemos pessoas de dois mundos diferentes com absolutamente nada em comum. Mas eu não sabia o que lhe dizer para melhorar a situação. Assim, continuei sentada embsilêncio durante todo o caminho até a escola.
Na hora do almoço, o grupo de garotas com que eu tinha andado no dia anterior veio falar comigo, em tom de desculpa:
- Sentimos muito pelo que aconteceu ontem à noite. Só queríamos ajudar - disse Mary Beth. - Não queriamos ofender você, Amber.
-Tudo bem - me esforcei para dizer com alguma simpatia. - Como vocês poderiam saber?
Eu estava a ponto de acrescentar alguma coisa a respeito de morar naquele fim de mundo, mas mordi a lingua no último segundo.
- Então você nos perdoa? perguntou Mary Jo. - Não queremos que fique com raiva da gente. Talvez possa nos contar sobre a moda de Nova York. Ia ser legal.
Elas estavam fazendo o melhor que podiam. Eu sorri.
-Você quer vir ao treino de animadoras de torcida depois da escola? - perguntou ela.
Eu já ia dizendo que achava a animação de torcida uma das atividades mais idiotas do mundo quando ela acrescentou:
- Não sei se alguém já contou a você, mas terça, quarta e quinta-feira não temos a última aula. Os garotos têm treino de rúgbi, e assim eles têm tempo de pegar o ônibus escolar de volta para casa.
-Quer dizer que encurtaram o dia de aula só por causa do rugbi dos garotos?- perguntei assombrada.
-Por causa do rúgbi e por causa das animadoras de torcida. Ou, se você não quiser participar da nossa equipe, pode ir à biblioteca e fazer a sua lição de casa. Ou assistir ao jogo dos garotos.
-Quer dizer que não há nenhuma atividade esportiva para as meninas? - indaguei.
-Bom, por enquanto, não - disse Mary Jo. - No inverno jogamos basquete, quando os meninos não precisam da quadra. E na primavera podemos fazer caminhadas.
-Grande coisa! exclamei, brava. - Não é legal não oferecer as mesmas atividades dos meninos para as meninas?
Mary Beth riu.
- Não seja boba, Amber - disse ela. - Garotas não podem jogar rúgbi. Além do que, a gente não liga. Gosto de poder terminar a minha lição de casa mais cedo. Isso me da tempo de fazer as minhas outras tarefas em casa.
Logo percebi que não ia conseguir fazer a cabeça dela tão rápido, mas decidi falar sobre aquilo mais tarde com meu pai, o advogado. Tinha certeza de que era ilegal não oferecer nenhuma atividade esportiva as garotas enquanto todo aquele tempo e dinheiro eram usados com os garotos. Por um segundo me vi modernizando aquela escola, reformando tudo. Teríamos vôlei, tênis e talvez até ginástica olimpica. Então lembrei que de qualquer jeito aquilo não me interessava. Que me importava o que acontecesse na Indian Valley High School? Eu voltaria no ano seguinte para Nova York mesmo...

Coração divididoOnde histórias criam vida. Descubra agora