Capítulo 34

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-Parece que todos sairam esta noite. Tanto melhor - observou.
Campainhas de alarme soaram na minha cabeça. Rich parecia ser um cara respeitoso e confiável, mas... e se ele tivesse planejado tudo? Será que já sabia de antemão que nós dois ficariamos sozinhos naquela casa deserta? Será que aquela não era uma estratégia de ação daqueles "garotos simples do campo"? Talvez achassem que as garotas de Nova York fossem fáceis, soltas e rápidas.
Rich me deu a mão para me ajudar a descer da caminhonete.
- Assim não vamos ter de brigar para usar o videocassete -Concluiu.
Nós entramos.
-Sinta-se em casa - disse Rich. - Estou suado e preciso de um banho urgente.
Ele me levou até a sala de estar e subiu para o andar de cima.
A casa de Rich era realmente gostosa: aconchegante e confortável. Havia inúmeras fotos de família por todos os cantos. E inúmeros troféus: ao que parecia, Rich ganhara tudo o que havia para ganhar. Só de olhar para todos eles fiquei tonta.
-Puxa, você levou menos tempo do que eu! - exclamei quando ele retornou à sala menos de quinze minutos depois, vestindo um jeans e uma malha de moletom, com os cabelos molhados cheirando a torta de maçã.
-Não queria que você se entediasse ai sozinha - disse, fazendo um gesto para que o seguisse.
Fizemos pipoca na grande e acolhedora cozinha e depois nos acomodamos num aconchegante e macio sofá em frente à TV. Dois simpáticos pastores-alemães que antes estavam do lado de fora da casa vieram se sentar aos nossos pés e ficaram catando a pipoca que caiam enquanto comiamos.
O filme era tão bom quanto me lembrava de quando o vira pela primeira vez. Delicado, romantico e divertido, com uma linda trilha sonora e belissimas vistas da Itália. Rich se sentou perto de mim, mas sem que nossos corpos se tocassem. Então, no meio da história, quando a heroina volta para casa, na Inglaterra, e confessa seu envolvimento com outro homem, Rich se voltou para mim, bravo:
-Que estupidez perder alguém só porque você não consegue dizer o que sente! - exclamou. - E deixar que outras pessoas digam o que você deve fazer! Se arriscar arruinar toda a sua vida...
Estávamos lá sentados olhando um para o outro, nosso joelhos se tocando.
-Amber - disse ele suavemente - Nova York é muito longe daqui. E Connecticut também...
-É verdade - concordei, hesitante.
-Quem pode dizer se você vai voltar para lá algum dia, ou se algum dia vou poder ir para o Leste? E mesmo que consigamos, será que as coisas dariam certo como davam antes? Será que íamos querer isso?
Uma deslumbrante voz estava cantando uma ária de Puccini no filme.
-Acho que eu não quereria -sussurrou Rich. - E acho que você também não.
-Talvez - sussurrei de volta.
-É isto que quero que dê certo -murmurou Rich, se aproximando de mim lentamente, como que puxado por cordas invisíveis. Os labios deles encontraram os meus produzindo em mim uma sensação de emoção, de aventura, de não estar tudo totalmente sob controle, como se meu corpo estivesse respondendo com uma vontade própria, independente da minha. O beijo de Rich me fez senti algo completamente diferente. Foi como um ardor quente que começou nos meus lábios e se espalhou por todo o meu corpo, me envolvendo numa belissima bolha cor-de-rosa. Queria que aquilo não acabasse nunca. Quando por fim abri os olhos, vi Rich me contemplando com um olhar ardente e brilhante.
-Se você tentar fugir de volta para Nova York, senhorita Amber Stevens -disse ele, jogo-a em cima da minha sela e cavalgo para o alto das montanhas com você.
-Vocês homens das montanhas são muito agressivos - repliquei, provocando-o com o olhar.
-É melhor você acreditar - retrucou. - Nunca desistimos sem lutar. Muito tempo atrás minha familia esteve envolvida nas guerras do campo entre criadores de gado e criadores de ovelhas. Os forasteiros tentaram nos empurrar para fora da nossa terra e cortaram o nosso acesso à água, mas nos mantivemos firmes e aqui estamos, muito tempo depois daqueles intrusos irem embora. Estava a ponto de fazer um comentário zombeteiro a respeito do que ele dissera, mas subitamente me iluminei: eu descendia daquele lugar e daquela gente também. Meus ancestrais provavelmente tinha combatido junto com os de Rich naquelas mesmas guerras. Talvez fosse por isso que partilhava com ele aquela determinação em lutar pelo que acreditava e desejava.
- Rich - lembrei - Estamos perdendo o filme. Está justamente chegando na parte boa.
Ele riu.
- Dane-se o filme - respondeu.- Também estamos chegando justamente na parte boa.
Então me puxou para perto de si e dessa vez o beijo não foi nem delicado, nem hesitante. Deixou-me sem fôlego, com o coração batendo acelerado. Depois do que me pareceram ser apenas alguns minutos, olhei para o lado e descobri que o filme tinha terminado e o relógio na parede marcava onze da noite.
-Acho melhor levá-la para casa - sugeriu Rich, me puxando e me pondo em pé.
- Espero não ter nenhuma encrenca lá ao chegar -observei preocupada.
Mas Rich deu uma risada.
-Seu avô é o único que vai estar acordado, e ele me acha um bom menino. Ele vai ficar satisteito ao saber que estamos nos emparelhando.
- Você fala como se fôssemos duas mulas - disse eu.
Ele remexeu em meus cabelos e riu. No caminho de volta para a minha casa nos sentamos bem próximos na cabine da caminhonete. Fazia tanto frio que meu hálito ficava suspenso no ar como uma nuvem de fumaça.
-Apareço na sua casa amanhã de manhã para ver se é preciso fazer mais alguma tarefa - se dispôs Rich -E depois, se você quiser, podemos dar uma cavalgada. Preciso exercitar o Blackbird. Não tive chance durante a semana.
- Não sei andar a cavalo -confessei, dividida entre meu desejo de ficar com ele o dia inteiro e a realidade de que provavelmente iria cair do cavalo e ficar com cara de idiota.
- Não tem problema. Em alguma hora você teria de aprender - ponderou. -Você pode montar o velho Traveller. E tenho lá uma velha e grande sela do tipo das do Velho Oeste da qual você não conseguiria cair mesmo que tentasse.
-Está bem - concordei - Desde que a gente não và a nenhum lugar onde alguém da escola possa nos ver. Não quero que riam de mim depois.
-Não se preocupe. Sei de um lugar perfeito.
Ele me deu um beijinho na testa enquanto eu descia da caminhonete.
- A gente se vê amanhã - gritei.
Meu avô estava esperando com a porta semi-aberta.
-Como é que você me chega a esta hora da noite? - perguntou ele. - Imagino que meia-noite seja cedo para vocês da cidade.
- Ora, vovô, a gente queria ver o fim do filme - menti. - Não precisava ficar me esperando.
- Hum! -grunhiu ele. - Vai, vai logo para a cama se não você nāo servirá para nada amanhã de manhã.
Dei uns passos rápidos até ele e lhe lasquei um beijo na bochecha.
-Boa noite, vovô.
-Vai, vai, sobe logo -disse ele esfregando a bochecha com a mão e mal conseguindo disfarçar a sua alegria por eu ter estado com Rich.

Coração divididoOnde histórias criam vida. Descubra agora