Capítulo 47

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Ninguém se mexeu. Acho que estávamos todos convencidos de que a caminhonete iria rolar pela montanha abaixo se alguém se atrevesse a falar. Até que lentamente um a um, começamos a pular para fora. Ficamos em pé na ladeira ingreme, olhando para as árvores partidas como palitos de fósforo à nossa volta. Meus dentes começaram a bater de novo. Não era fácil aceitar a idéia de que a morte tinha passado a poucos centimetros de nós.
- Todo mundo está bem? - com a voz trêmula e com seus olhos fixos em mim.
- O que vamos fazer agora? -perguntou Suzanne. - Como vamos levar a caminhonete de volta para a estrada?
Rich deu de ombros.
- Seria preciso um grande guincho. Vão ter de trazer lá do vale.
Ele olhou para o muro de escombros que bloqueava a estrada bem atrás de nós.
- Então o que vamos fazer? - insistiu Suzanne. - Vamos congelar se ficarmos parados aqui.
Rich olhou para cima, acompanhando a trilha que a caminhonete tinha aberto ao cair, e depois para baixo, com ar pensativo.
- Acho que eu não conseguiria chegar até a casa mais próxima antes de escurecer - ponderou. - Poderíamos tentar acampar na caminhonete até alguém nos encontrar.
- Você enlouqueceu? - disse Brendan. - Fazia um frio de congelar os ossos na
traseira daquela caminhonete.
- Mas talvez seja a melhor alternativa -sugeriu Rich. - A regra de ouro é nunca abandonar o seu veículo se quiser ser localizado.
- Mas e a cabana para qual estávamos indo? - perguntou Mandy.
Rich balançou a cabeça.
- É longe. A noite vai cair logo e é muito fácil perder a estrada na escuridão. Se nós a passássemos, não haveria mais nada depois.
- Bom, cowboy, foi você quem nos trouxe até aqui e é você que vai buscar ajuda - disparou Mandy. -Espera-se que saiba o que fazer. Não estamos acostumados a esse tipo de coisa.
- É isso mesmo, Rich. Você não tinha nenhum direito de nos trazer aqui para cima sabendo que poderia haver uma avalanche - concordou Suzanne.
- E não há a menor chance de sobrevivermos a uma noite nessa caminhonete -acrescentou Brendan. - -Não caberíamos todos na cabine, e eu, para começar, não me candidato a ficar no bagageiro.
Estavam todos olhando para Rich com um ar de desafio. Ele franziu a testa
enquanto tentava decidir o que fazer.
- Há uma pequena choupana em algum lugar por aqui perto - disse ele.- Meu pai a usa as vezes. Talvez devessemos tentar encontra-la antes de escurecer.
-A que distância ela fica daqui? -perguntou Suzanne.
-A uns quatro quilômetros, talvez.
-Quatro quilômetros? - gritou Mandy. - Você pretende que eu ande quatro
quilômetros com estas botas de design italiano?
-Então fique na caminhonete se quiser -replicou Rich.
Na minha opinião ele estava mantendo a calma admiravelmente.
-Sabe, cara, você está numa grande fria - acusou Thomas, com voz trêmula. -Você pôs as nossas vidas em risco nos trazendo aqui para cima. Meu pai é advogado.
-Então me processe se conseguir voltar lá para baixo vivo - retorquiu Rich, bravo.
-Apenas tratem de manter as suas vozes em tom baixo, se não quiserem provocar outra avalanche.
Lancei um olhar fulminante a Thomas, e o rosto dele ficou de um vermelho vivo. Ele acabara de se conscientizar de que talvez a sua gritaria tivesse detonado a coisa toda.
-Certo, vamos começar a andar, se não nunca encontraremos a tal choupana antes de escurecer de vez - disse Rich.
-Que situação estúpida - lamuriou-se Mandy. - Vou estragar as minhas botas se andar na neve profunda com elas.
Até então eu não tinha dito nada, em parte porque ainda estava em estado de choque com o acidente, em parte porque me sentia dividia. Queria me posicionar do lado de Rich, mas aqueles eram os meus convidados. Podia entender que estivessem alterados. Também estava, sendo que já tivera três meses para me acostumar ao lugar. Mas tudo tem um limite. Estavam culpando Rich por uma avalanche que provavelmente um deles provocara. Eles o estavam culpando, quando na verdade o mais provável era que Rich lhes salvara a vida.
-Dêem um tempo, gente - comecei. - Vocês têm sorte de estarem vivos. Se Rich não tivesse usado a cabeça e dirigido com tanta destreza, nós todos estaríamos agora debaixo daquela neve no pé da montanha. - Peguei meu saco de dormir e minha mochila. - Vamos, vamos andando - continuei. - Senão vai escurecer, e ai é que nunca vamos conseguir encontrar a choupana.
-Só espero que Rich saiba para onde está indo - murmurou Suzanne enquanto pegava suas coisas na traseira da caminhonete. - E espero que alguém tenha trazido chocolate em pó.
- Vamos ter de dividir os mantimentos -disse Rich, tirando pacotes de alimentos das caixas de papelão. -Cada um leva um pouco.
-Eu já tenho coisas demais para carregar - disse Mandy. - Eu não tenho lugar para o chocolate em pó na minha mochila. Além do mais, a gente não está acostumada a andar desse jeito.
-Deixe algumas dessas coisas na camionete, Mandy - pedi. - Tudo o que você realmente precisa para esta noite é do seu saco de dormir e de uma malha extra, se tiver uma.
-E para trocar de roupa amanhã, Amber? - perguntou Mandy, horrorizada. - Não consigo vestir de dia as mesmas roupas com que dormi a noite toda. Tenha bom senso!
Dei um olhar desamparado na direção de Rich, e ele sorriu. Por um segundo foi como se nós dois estivessemos exatamente na mesma sintonia e todos os outros fossem alienígenas.

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