Capítulo 19

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Minha mãe me levou para me matricular na Indian Valley. A escola me surpreendeu. Eu estava esperando por uma modera escola de uma sala só, mas aquela era até moderna, toda de concreto e vidro, com um enorme campo de rúgbi ao lado.
Odiei o diretor, Mr. Houghton, a primeira vista. Ele era grandalhão, vermelho e alegre, e me chamou o tempo todo de "jovem senhorita". Perdemos uma excitante hora com ele, tentando decidir uma programação que me permitisse frequentar as aulas que me interessavam. Ao que parecia os segundanistas de lá geralmente aprendiam geometria, mas eu já estava estudando álgebra. Mr. Houghton ficou com receio de me colocar junto com os alunos do terceiro ano, e também ficou com receio de me deixar comparecer às aulas de biologia porque a classe já estava lotada. Sugeriu economia doméstica em vez de biologia. Mamãe não parava de me lançar olhares ansiosos, respondendo por mim antes que eu perdesse totalmente a paciência e dissesse ao Mr. Houghton o que realmente pensava dele e de sua
maldita escola. Ao fim da entrevista já confirmara todas as minhas piores suspeitas. Nada de teatro, nada de música, a não ser uma estúpida banda de marchinhas, e nada de artes plásticas. Eu saí de lá com uma programação curricular chata, chata e chata.
-Tchau, meu bem - dispediu-se mamãe, me dando um beijo na bochecha. - Tenha um ótimo primeiro dia.
-Tchau - respondi, com uma expressão no rosto que deixasse bem claro para ela o que pensava daquele primeiro dia. - Tenho certeza de que vai ser maravilhoso.
Lá pela hora do almoço já me sentia como um extraterrestre. Todo mundo reparava em mim no ato e me perguntava de onde eu era. Quando respondia que era de Nova York, perguntavam as coisas mais ridiculas:
Você já levou um tiro? Lá na antiga escola todo mundo carregava facas e revólveres? Você era assaltada com muita frequência?
Todos queriam saber o que eu estava fazendo no Wyoming. Achei mais facil dizer que tinhamos vindo cuidar de meu avô do que explicar as outras razões.
- Então me conte, Amber - pediu uma das garotas (acho que o nome dela era Mary Beth: eu estava meio confusa, porque havia também uma Mary Jo e uma Mary Ann) - Lá em Nova York todo mundo se veste como você?
- Bom, não exatamente. Quem trabalha normalmente usa terno. As pessoas do Village geralmente se vestem como eu. Elas encontram todo tipo de coisas incriveis em lojas alternativas e depois dão uma reformada. Sempre compro roupa dos anos 70.
Elas aprovaram educadamente com um movimento de cabeça, mas com os olhos arregalados.
- Imagino que seja um alivio para você está aqui, onde ninguém liga para o jeito como você se veste - disse uma delas. -Uma vez tive de usar os mesmos jeans por um mês. Foi horrivel.
Eu não tinha certeza de onde ela queria chegar, mas sorri com polidez.
- Imagino que esteja contende de estar aqui, onde as pessoas são amigáveis e
você pode sair por aí sem medo, não é? - me perguntaram uma e outra vez.
Fiquei tentada a dizer a eles exatamente o que pensava a respeito de minha permanencia no Wyoming. Nāo tinha a minima intenção de fazer amizade com ninguém. Estava determinada a odiar tudo. Mas pela primeira vez em minha vida era o centro de todas as atenções. E também não conseguia me esquecer do que
Rich dissera a respeito de tentar fazer o melhor em todas as situações. Portanto engoli as minhas palavras e me esforcei para sorrir o tempo todo. E quando num dado momento levantei a vista, vi que ele cruzava o refeitório e vinha em minha direção.
- Oi - disse ele. - Como você conseguiu se manter viva até agora?
- Ainda estou aqui - respondi corando.
- É, reconheço que aqui você está segura - brincou. - Colocaram cercas e porteiras ao redor da escola para manter longe os animais selvagens.
- Não sei, não - retruquei. - Já vi um monte de lobos e ursos por ai.
O rosto dele se iluminou com um sorriso.
- É reconheço também que você sabe lidar bem com eles - continuou Rich. Bom, preciso ir andando. Só queria saber se estava tudo bem com você. A gente se vê à noite, no ônibus de volta para casa.
Então ele se dirigiu ao meu grupo de admiradoras:
-Sejam legais com a Amber, garotas. Ela ainda está sob choque cultural.
E foi embora.
- Menina, você não perde tempo, hein? - exclamou Mary Beth. - Rich Winter, o maior gato da escola.
-Ele só está sendo gentil comigo porque é o meu vizinho mais próximo - expliquei, tentando aparentar neutralidade. - Tenho em Nova York um namorado que eu adoro.
-Bom, eu diria que Nova York está terrivelmente longe daqui - especulou outra das garotas. - Não me importaria muito com o outro namorado, por mais bonito e bacana que ele fosse, se Rich Winter estivesse interessado em mim.
Peguei-me seguindo Rich com o olhar através do refeitório. "Não seja idiota", disse a mim mesma. Não estava tão desesperada a ponto de agarrar o primeiro cowboy caipira que demonstrasse algum interesse por mim. Mesmo que tivesse deslumbrantes olhos azuis e músculos possantes. Rich estava apenas sendo gentil, e eu realmente, de verdade, não estava interessada nele.
- E então, como foi? - me perguntou Rich mais tarde, quando subíamos no ônibus escolar para voltar para casa. - Um pessoal legal, não é? Realmente amigáveis.
-Muito amigáveis - concordei.
E eram mesmo. O problema é que era de Lugar Nenhum City. Tinha prestado atenção nas conversas deles e não havia conseguido entender do que estavam falando. Tinham me perguntado de que tipo de música eu gostava, mas nunca ouviram falar dos meus conjuntos favoritos. Tentara falar a eles sobre filmes que vira, mas fora alguns com Bruce Willis ou Julia Roberts tampouco tinham a menor ideia a que eu me referia. E o mesmo com as roupas... Bom, com certeza
precisavam de alguma ajuda para aprender a se vestir. Havia os clássicos jeans e camisas de flanela, mais tudo sempre novinho. Nenhuma velha Levi's 501s. Algumas garotas usavam camisas lisas, e outras até vestiam saias com pregas. Todo mundo muito arrumadinho e limpinho, e todos iguais. Nada de rasgões, nada de roupas folgadas,nada de superminissaias, nada de couro, nada de divertido, incomum, ou artistico. E eles olhavam para as minhas roupas como se nunca tivesse visto nada parecido antes.
-Uma garota me perguntou se eu tinha percebido que a parte dos joelhos do meu macacão estava rasgada - contei a Rich achando muito engraçado.
-Isso foi grosseria dela - comentou, serio. - Quem é ela?
-Não sei seu nome. Mas achei bastante engraçado - disse eu.
No entanto Rich não riu.

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