Capítulo 30

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Mal consegui ficar acordada nas aulas durante o resto do dia, e estava morta de cansaço e toda dolorida quando cheguei em casa à noite. Vovô tinha feito sopa, e a minha primeira tarefa foi levá-la para os doentes. Depois tive de cortar mais lenha, subir mais chá... Era como ser um hamster numa daquelas gaiolas com uma pequena roda giratória. Quanto eu mais corria. Mais tarefa surgiam. Por volta das nove da noite já me preparava para ir para a cama quando o telefone tocou. Era Brendan.
-Estamos todos numa festa na casa da Mandy, e achamos que seria legal te ligar - disse ele, animado. - Estamos ouvindo um som bem legal. Escute só o novo CD do Smashing Pumpkins que Mandy comprou.
Ele segurou o fone da direção dos alto-falantes, e pude ouvir uma mistura de
música a todo volume, vozes e risadas.
-Gostou? - ele voltou a falar -A Suzanne está aqui e quer dar uma palavrinha com você.
-Espere ai, Brendan, eu preciso falar... - comecei, mas ele já havia passado o fone para outra pessoa.
Um a um, todos os meus amigos vieram dizer algo no telefone.
- Oi, Amber! Estamos com saudades! Queriamos que você estivesse aqui...
Senti uma lágrima começar a rolar pela minha bochecha, e percebi depois de eles terem desligado que ninguém tinha me perguntado como a minha noite de sexta- feira estava sendo. Fui para a cama, puxei a colcha para cima da cabeça e cai exausta num sono profundo.
Na manhã seguinte foi tudo igual de novo: lenha, galinhas, leite, bandejas de café da manhā. Felizmente era sábado. Quando estava terminando o meu próprio café da manhã, vovô me encarou do outro lado da mesa.
- Você já sabe dirigir? - perguntou ele.
-Não. Papai não quis que eu aprendesse na cidade, e ainda não tenho dezesseis anos.
Vovô grunhiu, como que confirmando que eu não seria útil.
-Bom, pelo menos alguma idéia de como fazer a coisa você deve ter - continuou ele. - Alguém tem de ir alimentar o gado. Devia ter sido feito uns dois dia atrás, mas seu pai ficou doente. Tudo o que você tem de fazer é encher a carreta com os fardos de feno e depois puxá-la com o trator até o pasto. Não tem mistério. Vou ver se consigo atravessar o quintal para pelo menos ajudar você a dar a partida.
- Não posso dirigir um trator e uma carreta! - exclamei horrorizada, me lembrando do monstruoso trator que tinha visto papai dirigindo. - Nunca dirigi nem mesmo carro!
-O gado não pode ficar esfomeado -disse vovô. - E dirigir um trator é muito mais fácil do que dirigir um carro.
Atravessamos lentamente o quintal coberto de neve em direção ao celeiro. O trator me pareceu ainda maior do que eu me lembrava. Precisei de toda a minha força para carregar a carreta com os fardos de feno, e minhas pernas tremiam quando subi para o assento lá no alto.
-Muito bem, agora gire a chave e dê umas aceleradas - ordenou vovô lá de baixo. -O pedal fica ali. Mais forte. Pode apertar fundo.
O motor ressuscitou com um grande rugido. O trator inteiro tremia de cima a baixo.
-Agora pise na embreagem e... não, não com esse pé! O outro! E agora ponha em primeira. Para frente e para cima. Use os músculos. Isso, assim está bem. Agora vá, soltando a embreagem devagar, e lá vai você.
Eu fui soltando o pedal, e o trator deu um solavanco para a frente sem morrer. Fui atravessando o quintal devagar, aos trancos e com sofrimento, e peguei o caminho que subia para o pasto. No fim do caminho havia uma porteira. Eu me arranjei para puxar o breque, descer do trator, abrir a porteira, subir de novo, e continuar em frente. Havia algumas cabeças de gado no fim do pasto, mas a maioria estava bem mais para o fundo, pequenas manchas escuras na neve branca que cobria o sopé da montanha. Continuei a rodar mais um pouco antes de parar de novo, trepar na carreta e despejar o primeiro fardo de feno. Repeti essa operação mais um par de vezes, e subitamente percebi que estava rodando em neve profunda. Quando a neve sobre passou a altura das rodas, o trator atolou e parou. Não consegui fazê-lo andar de novo. Não queria de jeito nenhum pular para a neve e voltar a pé. Era uma longa caminhada até a casa, e tinha certeza de que vovô iria me dar uma bronca por abandonar o seu precioso trator no meio do campo.
Fiquei lá sentada, sem saber o que fazer. "Muito bem, fada madrinha", pensei em voz alta, "onde você se enfia quando preciso de você?"
Foi nesse momento que ouvi um grito atrás de mim e o som de um cavalo
galopando na neve.
-Ei, você! - gritou um homem. - A sua porteira está aberta e o gado está saindo!
Quando ele se aproximou não me surpreendi ao ver que era Rich.
- Você deixou o portão aberto! - gritou ele, acusador. - Agora o seu gado está
vagando por ai.
-Ah, que bom! - gritei. - Realmente uma maravilha! Era só o que me faltava para completar o meu dia!
Ele me olhou com um ar de surpresa, Como se acabasse de perceber quem eu era.
-Amber, o que você está fazendo ai?
-Boa pergunta - respondi. - Estava pensando exatamente a mesma coisa. Não foi idéia minha, pode acreditar. Meu rabugento avô me informou que o gado precisava ser alimentado, e não havia ninguém para fazer isso, da mesma forma que não havia ninguém para cortar a lenha, alimentar as galinhas, tirar o leite... Qualquer coisa que você nomear eu fiz.
- E os seus pais?
-Eles estão doentes - disse eu. - todo mundo está com gripe, menos eu e o vovô.
-Então você está fazendo tudo sozinha? - perguntou ele, solidário. - Caramba, isso é dureza. Eu estava a caminho da cidade, mas aguenta ai que vou recolher o seu gado e já venho lhe dar uma mão.
Só pude ficar lá sentada, esperando e olhando. Um pouco depois Rick reapareceu, com cinco novilhos andando na frente dele. Ele jogou um fardo de feno para eles, e os animais começaram a comer.

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