Capítulo 09: O branco sem cor.

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[1 hora.]

Semanas haviam se passado. O branco de seu cabelo perdeu a cor, não era preto, nem branco. Mas uma cor morta, representando apenas uma coisa, sua dor. Dias e noites dentro de seu quarto, sozinho, no escuro. Era como se ali, o pior pesadelo de Bruno tornou-se uma realidade. Afinal, quando nossa dor desperta é como um vislumbre rápido de que nossos pesadelos começaram a ter corpo e então vindo para nos matar? Será esse o significado de algo que está além de nossa consciência?
Talvez seja irrelevante tentar compreender.

Deveria emergir da escuridão de seu quarto e comer, irmão.—Alex falava a Valério, com um tom triste.

Se quer sair, saia. Não pedi para ficar aqui comigo durante todos esses dias, sem me deixar por um momento sequer.—Ao terminar, Valério se virará de costas a Alex.

Não estou aqui por um pedido seu, não sai do seu lado por pena, e aqui permaneço não por preocupação, mas porque eu sou o seu irmão.—Alex abraçava o seu irmão, ainda que o mesmo, o desse às costas.

[45 minutos.]

Eu compreendo sua dor, como se eu fosse você, uma parte de você. Então, eu jamais o deixarei sozinho, se irá permanecer aqui, então, permaneceremos aqui, juntos, até o fim.

Sempre via meu irmão mais novo como um pilar de força, resiliência. Eu sabia que se o mundo inteiro caísse ao meu redor, ele estaria lá e iria me erguer novamente. Se apenas tristeza estivesse ao meu redor, ele viria com um sorriso que afastaria tudo. Sim, esse é o Valério, esse é, ou era o meu irmão mais novo.
Mas e agora? Seus longos cabelos negros tornaram-se curtos cabelos brancos, e agora nem isto. Nem branco, nem preto, nem claro e nem escuro, mas apenas uma cor morta, e eu o compreendia, estar morto por dentro, por fora, por cada célula do corpo, eu sentia e compreendia, como se eu fosse ele, como se fosse uma parte dele. Eu estava com medo, ele era o meu único irmão, e ele era meu irmão mais novo, e como o mais velho, eu tinha a obrigação de cuidar dele e zelar por sua segurança, no entanto...
"O quadro da vida não é sempre preto e branco, em momentos inesperados vem outras tonalidades que explodem no quadro e o que parecia morto se torna vivo." Isso parece algo animador não é? Mas para o meu irmão, não. Essas tonalidades vívidas, eram o vermelho, o vermelho de seu sangue.
De alguma forma, eu não posso continuar a permitir que mais sangue seja derramado, eu mataria o mundo e faria todos sofrerem e sangrarem se isso não fizesse meu irmão sofrer ou sangrar.
Eu devo devolver a ele sua cor, seja o preto ou seja o branco. Seu cabelo é uma das coisas que ele mais ama. Se ele não está se importando com o que ama, conhecendo bem, ele se afunda em uma lama que não há saída.
Como olhar para ele?
Como olhar para a direita e depois esquerda, como olhar para cima e para atrás e perceber que ela não está mais em nenhum desses lugares. Como aceitar que ela morreu?

[30 minutos.]

Mais de duas semanas no quarto, eu saia apenas para buscar algo para ele comer. De duas colheres não passava, ao menos água iria mantê-lo hidratado. Eu deveria cortar isso e buscá-lo em meio ao seu tormento.
Então, eu segui em direção a porta de nosso quarto e saí atravessando a porta, mas não antes de perceber que ele sequer se deixou de me dar as costas.
Aquilo significa que ele queria me perguntar e pedir minha ajuda, mas...

Ela morreu.—eu afirmei calmamente.

Isso foi o suficiente para fazer ele se mover, ainda que brevemente, aquilo chamou sua atenção.

Nossa mãe morreu!—eu afirmei com um tom mais grave.

Acha que eu não sei?!—ele se virou a mim, com seus olhos em lágrimas.

Por acaso percebe o que está acontecendo? Percebe em qual situação nós estamos? Olha para você irmão, você está fraco, está morto, você não foi criado assim. Acha que é o único a sofrer? Pessoas sofrem todos os dias, por motivos diversos.

É só que...—Ele abaixou seu olhar.

É só que você caiu, e não tem problema, algumas vezes caímos na tempestade, mas logo enfrentamos o olho do furacão. Cada segundo e minuto, cada hora ou dia que se passa é uma oportunidade para se reerguer. Não espero que você melhore, viverá com essa dor até a chegada de sua morte, mas, quero que se acostume, que conviva e aprenda com ela. Essa dor o tornará mais forte, mas para isso precisa aceita-la, e sentir o suficiente para tornar ela uma força, a força que erguerá seu punho, mas principalmente a sua cor. Irmão, você se lembra do primeiro dia em que nós dois nos conhecemos?

[15 minutos]

Lembranças são como a água que vai e volta, às vezes a maré está distante da areia, e às vezes ela vem tão forte e intensa que limpa tudo a frente.

Quem é você?—Questionava um pequeno garoto de cabelos longos o suficiente para cobrir seus olhos.

Meu nome é Alex, eu sou seu irmão.—Eu soltava um enorme sorriso ao falar isso.

Aquele dia foi a primeira vez que nos conhecemos, antes que eu tivesse que partir. Eu deveria ter entrr 5 a 6 anos de idade, depois que eu o conheci o meu mundo preto, teve um pequeno ponto branco e então eu sabia que aquele era o momento de seguir em frente.
Mesmo estando há milhares de km de distância dele, eu estava sempre com meu olhar direcionado a ele, e sempre que eu podia, eu o protegia mesmo que ele não soubesse. Os amigos dele, seus primeiros amigos, que sempre estiveram com ele, enquanto ele os tiver eu estarei próximo dele e ainda que ele os afaste, eles sempre voltarão como se eu sempre voltasse aos braços dele.
Esse foi o gatilho, essa foi a carta na manga. A nossa única lembrança foi o suficiente para fazê-lo acordar. Bom, eu havia conseguido erguer o Valério e trazer a cor dele de volta a vida, mas eu não imaginei que isso foi momentâneo o suficiente para que tudo mudasse para sempre.

[ 5 minutos.]

Vou buscar algo para comermos juntos, volto em 5 minutos. Certo?—Eu o questionava com um sorriso.

Você sempre volta para mim.—Ele me respondeu com um enorme sorriso no rosto.

Que sorriso era aquele? O mais belo que eu já havia visto, tão belo que não havia uma explicação que o descrevesse.
Eu saí, e então quando eu voltei, eu percebi que jamais deveria ter saído. Pois o que aconteceu, mudava tudo...

[0 minutos.]

Não pode ser...—minha boca estava trêmula, minhas mãos gélida, minhas pernas estavam bambas e meu coração sentia mil facas o atravessar.

Eu via o Valério, caído sobre a nossa cama rodeado de sangue.
Um tiro, um único tiro certeiro no coração, sem pulso, com seus olhos fechados, caído estava meu irmão. Sim, ele está morto.
Eu me aproximei o suficiente para perceber uma sombra distante que corria, da janela onde eu via aquela pequena penetração de bala no vidro. E ao perceber isso, minha expressão assustada e em lágrimas se preenchia de raiva e ódio, principalmente ao sentir o corpo morto de Valério em meus braços, principalmente ao sentir a vida se esvair a cada minuto.
Eu não sei quem, ou o porquê. Mas a única certeza que eu tenho é que eu matarei aquele que matou o meu pequeno irmão.

O Garoto SolitárioOnde histórias criam vida. Descubra agora