Capítulo 10: Aonde você está?

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Já conseguiu imaginar como seria sua morte? Imagine sentir algo forte o suficiente que rompesse sua derme, epiderme e hipoderme fazendo com que assim, não houvesse escapatória e seu sangue começasse a se esvair tão rápido ao ponto de preencher suas mãos em sangue e em seguida tudo ao seu redor como um rio que começava a se espalhar sob o branco da cerâmica ao chão preenchendo os espaços de separação entre ambas, aumentando ainda mais o alcance do seu sangue. Como estaria sua respiração? Lhe faltando o ar, tão lentamente como uma bala que é lançada entre 120 m/s a 370 m/s. E então, você se questiona se sua consciência é forte o suficiente para aguentar a perda de cada órgão de seu corpo, a perda de seus sentidos, o mundo, a visão se apagando e logo perdendo o som. A sensação de que seu sangue não percorre mais seu corpo, mas o seu redor, e você percebe então que o chão se torna quente e então ele vai esfriando e se tornando uma poça ainda maior. É isso? Sim. Você morre. Mas quando você percebe isso? Quando chega o clarão? A tal luz no fim do túnel, ou talvez seja quando não resta mais nada, sem som, nem sensações, apenas o preto, e a solidão.

Houve dor? Houve uma súplica? Quais foram seus últimos pensamentos? Ele sentiu o que eu imaginei?
Essas respostas para as minhas perguntas, somente uma pessoa poderá me dar, e essa pessoa é o responsável pela morte do meu irmão. Como ele irá me responder essas perguntas? Simples, sentindo o mesmo, pois eu o farei.

Depois de todas às formalidades para nos despedir do corpo físico eu retornei ao seu quarto, mas antes, ainda que mesmo distante e sob os cantos eu via a avó Teodora chorando, em lágrimas, sem chão.
Eu adentrei no quarto nosso quarto, e ele estava lá, em cima da cama, procurando por Valério, por sua mão calorosa, por seu carinho, por sua atenção. Sim, Tar buscava por V, mas como contar? Uma das maiores dores talvez seja não poder fazer com que aqueles que amam alguém que se foi entendam que foi uma partida sem retorno. Afinal, o que eu deveria fazer? Como eu explicaria a um gato que seu dono não iria mais voltar?
Ele ia e voltava, seu miado não parava, eu o alimentei e ele veio aos meus pés.
Então eu o deixei e fui a cama, e deitei. Pude sentir todo o peso do meu mundo cair sobre mim neste momento, meu corpo pesou. E então, ele veio até mim. Ele subiu na cama e chegou perto do meu rosto, ei não entendia, mas por um breve momento ele me encarou, e então aproximou-se ainda mais do meu rosto, e eu pude sentir, ele lambia meu rosto e seguia em direção às minhas lágrimas.

Você percebeu? Parece até que você sabe, não é mesmo...?-Eu então direcionava minha mão a sua cabeça e o acariciava.

Ele continuou a me lamber, e eu permiti. Eu estava fraco para ter qualquer outra reação e de alguma forma, eu sentia consolo daquele pequeno animal. Animal este que secou todas às minhas lágrimas.

Você o amava.-Coçando sua orelha, eu concluía.

Ele então saiu, foi até o cesto de roupa suja e lá puxou uma camisa do V, ele então a trouxe a mim, e sobre ela ele se deitou. E eu percebi que o cheiro do meu irmão ainda permanecia lá, pois a camisa jogada, ainda não estava com o odor de sujeira. Eu percebi que um animal tentou me consolar, um belo animal, sincero e verdadeiro.
Tar, neste momento eu me sinto fraco, perdido. Meu labirinto de dúvidas e dor havia chegado e eu estava sem rumo, talvez eu continue. Mas é temporário, graças a você.
Pois, em breve, eu terei a força necessária para queimar o mundo e então finalmente poder matar um certo alguém.

O Garoto SolitárioOnde histórias criam vida. Descubra agora