you make my heart shake

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A velha estante de sua casa já desgastada pelo tempo continha uma enorme variedade de livros pertencentes aos seus pais, que iam desde Shakespeare até autores mais contemporâneos. Seu pai, apesar de tudo, era um ávido leitor e uma das poucas boas heranças que deixara para os filhos fora este mesmo hábito.

Havia um certo livro que a Signora Giordana costumava recomendar para os alunos que continha etimologias de palavras em latim. No início, Saoirse odiava ter que procurar os significados mas logo pegou a prática.

A palavra em questão que estava em sua mente fora de um livro lido na noite anterior na tentativa de abrandar seus pensamentos. Coragem era o tal termo. Era quase anormal a curiosidade que a palavra lhe causou.

Folhendo o velho livro de latim com as páginas gastas nos cantos, Saoirse encontrou a palavra. Coragem vinha do latim cor agire, que significava algo como "agir com o coração". A Signora Giordana costumava dizer que era necessário sempre agir seguindo o coração e usava essa palavra como referência, algo que Saoirse descobriu nunca ter sido feito pela própria porque não estava ao lado da mulher que amava.

Mas ao mesmo tempo Saoirse fazia coro a hipocrisia da frase da professora pois também não agia com o seu coração ao não ir procurar Emma. E isso era um pensamento um tanto desolador. Ela não era como as pessoas daquela cidade que não tinham mais paixões verdadeiras ou aspirações... Ou será que estava se enganando este tempo inteiro?

Talvez o que mais a distanciava daquela cidade era o que, paradoxalmente, mais a aproximava. Sua falta de ambição herdada dos dois pais frustrados que a conduziu para um emprego entediante e o constante medo de mudanças eram fatos que refletiam sua semelhança com os moradores.

Enquanto folheva impacientemente os outros livros da estante tentando procurar algum que a distraisse, ela ouviu sua mãe discar o telefone pela nona vez naquele mesmo dia. Havia um tempo que ela tentava contatar Henry mesmo sabendo que ele não atenderia porque ainda estava muito magoado para ouvir sua voz.

Em Nova York, Saoirse conseguia manter contato com ele e tinha uma noção de onde Henry se encontrava e como estava. As memórias do último dia que o vira eram embaralhadas e pareciam ser cobertas por uma estranha neblina, ao falar isso para sua terapeuta ela disse "interessante" em seu típico tom profissional.

- Mãe? Você não está tentando ligar para o Henry de novo, não é? - Ela se aproximou lentamente e sua mãe continuou com o telefone em mãos tentando contactar Henry.

- Eu preciso saber se ele está bem.

- Ele está sim... Eu falei com ele enquanto estive em Nova York...

- Faz muito tempo! Eu preciso saber como ele...

- Mãe, por favor... - Ela respirou fundo e retomando sua fala, disse no tom mais calmo que conseguiu alcançar. - Ele está realmente bem, só não quer...

- Por que ele não volta?

- Você sabe bem o porquê...

- Mas ele não está mais aqui. - Esta frase soou como um soco no estômago para Saoirse e ela desviou o olhar de sua mãe sentindo uma estranha sensação.

- Algumas coisas ficam... Marcadas, mãe, eu não sei se você entenderia mas...

- Se está falando do que aconteceu entre você e aquela Watson...

- Eu não estou falando disso.

- ...Eu sei que seu pai era uma pessoa difícil mas ele se importava com vocês...

- Se ele realmente se importava com a gente... - Saoirse engoliu em seco antes de concluir, as palavras lhe vinham rápidas mas difíceis de se pronunciar. - ...Por que não deixava a gente ser feliz de verdade?

Blue Neighbourhood || Watsonan ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora