and I wanna come home to you

35 8 0
                                    


Tinha essa lembrança recorrente e talvez uma das melhores advindas de Nova York, que apesar de ter vivido tanto tempo não era um lugar que ela consideraria um antro de boas memórias. Saoirse estava em seu apartamento já tarde da noite sentindo sua mente enevoada pelo excesso de bebida durante uma confraternização. Os sons da cidade ecoavam pelo lugar perturbando o silêncio do apartamento e o dia já estava amanhecendo colorindo o lugar de azul, a cor que lhe levava de volta para sua antiga vizinhança.

- Há quanto tempo você vive aqui? -Uma voz feminina ecoou pelo lugar e levantando apenas seu torso, Saoirse a encontrou. Ela só sabia duas coisas sobre a mulher: Seu nome e profissão. Se chamava Talia e era uma advogada que trabalhava no escritório vizinho, e por um acaso as duas se esbarraram em uma noite.

A luz do sol nascente que se unia a iluminação clara da cidade desenhava silhuetas na pele de Talia que estava sentada sob o parapeito da janela olhando para fora enquanto fumava.

- Acredito que uns sete anos... - Ela olhou para Saoirse e sorriu enquanto terminava seu cigarro. Em sua costela havia uma grande tatuagem de um ramo de rosas que se estendia um pouco mais além, ela repentinamente se levantou e retornou a cama de lençóis amarrotados de onde Saoirse queria que ela nunca tivesse saído, mesmo no dia seguinte quando seguiram suas vidas e nunca mais se esbarrariam.

- E quando você vai voltar para casa? -Perguntou Talia de forma inesperada e mesmo nos dias atuais Saoirse não conseguia se lembrar da resposta, muitos menos se ela fazia sentido. Esta lembrança fora tão marcante que às vezes arrumava jeitos de se inserir nos seus sonhos e brincar com os pequenos detalhes, como por exemplo, por vezes Emma estava na janela e depois de ir até a cama a perguntava:

- Quando você vai voltar para casa?

Voltar para casa. Era algo complicado de se dizer, porque menos tendo retornado ela não se sentia realmente em sua casa. E talvez nunca mais conseguiria se sentir verdadeiramente em um lar, porque todos os lugares do mundo pareciam faltar algo que não ela conseguia identificar.

Seu único lar agora era uma constituição das melhores memórias que armazenara daquela vizinhança e com elas construira uma espécie de casa que as guardava em um lugar seguro.

Talvez essas memórias lhe fizeram finalmente ter coragem de abrir a porta desta casa e sair para fora, encarando o exterior frio e agitado. E para isto, ela primeiramente quis entender Emma e o que haveria acontecido nos últimos anos enquanto esteve fora.

Emma estava em suas melhores memórias e havia se tornado o sinônimo de algo bom e até mesmo sua zona de conforto, onde se sentia segura. E Saoirse sentia que precisava entender o porquê.

- É estranho voltar aqui depois de tanto tempo. - A voz de Emma estava meio inaudível por causa do intenso som das ondas fortes daquela manhã.

O céu estava meio azul combinado com um tom rosado e a areia da praia parecia estar cinza, o sempre bem-vindo som advindo do mar e o cheiro salgado que vinha eram excelentes calmantes, pelo menos era o que Saoirse pensava.

Aquele lugar era onde residiam suas melhores memórias e também onde conheceu Emma, ali estavam reunidas quase que em uma coletânea seus momentos de felicidade, tristeza e preocupação. Talvez ela quisesse adentrar seu antigo mundo junto com Emma para entender o novo mundo dela. Era um paradoxo meio estranho porém com um pouco de sentido.

- Realmente é estranho mas de um jeito bom.

- Verdade. - O frio era quase insuportável e mesmo que ambas usassem uma quantidade espessa de roupas ainda não era o suficiente para barrar os ventos gelados. Saoirse ajeitou seu casaco se cobrindo mais ainda e caminhou cabisbaixa diante a força dos ventos.

Elas caminharam por um tempo próximas à beira do mar, com as ondas formando desenhos na areia e apagando as marcas deixadas pelos sapatos de ambas.

- Você lembra quando costumávamos vir aqui? - Perguntou Saoirse talvez tentando evocar as memórias sob o ponto de vista de Emma e como ela as encarava.

- Lembro, às vezes eu costumo vir aqui ainda. - Isto trouxe uma certa esperança para Saoirse e ela achou melhor afastá-la. Criar expectativas provavelmente inalcançáveis não era o principal ponto daquele encontro.

- Sério?

- Sério, alguém já me disse que é bom se orgulhar de seu passado e como tudo faz parte... E eu concordo com isso.

Então aquelas memórias também ainda residiam na mente dela e elas a considerava motivo de orgulho do seu passado. Isso fez Saoirse pensar se suas lembranças realmente lhe davam orgulho ou simplesmente eram sua forma de se manter segura de memórias ruins.

- Como assim orgulho?

- Eu não sei se você entenderia. - As duas finalmente haviam alcançado a costa da praia, com as ondas estando mais fracas e Saoirse percebeu como a pergunta havia gerado uma ligeira perturbação em Emma.

Elas subiram até uma das pedras mais altas, e ficaram observando as ondas baterem e em seguida recuarem no mesmo ritmo.

- Você não precisa responder se isso lhe causa alguma... - Saoirse sabia que o assunto da antiga relação das duas era algo que estava subentendido em cada frase das duas.

- Não tenho problemas com isto... É apenas complicado de explicar, entende?

- Entendo, é realmente complicado tentar assimilar tudo.

- Ainda estamos falando de lembranças? - Saoirse respirou fundo e pensou como era melhor que tudo se concretizasse logo de uma vez, antes que uma barreira gerada pelo passado mal resolvido das duas se estabelecesse.

- Eu acho que não. - Mesmo com o barulho das ondas ela conseguiu ouvir Emma suspirar e sem pensar muito tocou a mão dela esperando alguma reação, e ela não fez objeção ao toque apenas a deixando ficar lá.

- Depois que você foi embora, eu fui para uma espécie de terapia promovida pela igreja local... - A respiração dela se tornava mais pesada a cada palavra proferida e talvez a intensidade de seu relato não permitia que ela conseguisse encarar Saoirse nos olhos. - Eles diziam que isso era... Errado. E eu acreditei por um bom tempo.

- Então, você...

- Eu achava que tudo aquilo que tivemos era errado e... Achei melhor não tentar te procurar mais. Era difícil de lidar.

- E como você mudou de ideia?

- Eu amadureci e percebi como estava errada em imaginar que amar alguém era algo ruim. Eles quem estavam errados, não eu.

- Em algum momento você sentiu ódio de mim?

- Sim, muitas vezes. Aquilo tudo me fez associar de alguma forma que você era a culpada de tudo quando na verdade...

- Nós nunca tivemos culpa de nada. -Respondeu Saoirse sentindo uma estranha segurança ao proferir a frase. Emma assentiu em concordância e disse:

- Exatamente.

- Eu encontrei aquele pequeno manuscrito seu do trecho das cartas de Virgínia Woolf. - Emma tornou a olhar em direção a ela parecendo menos tensa do que anteriormente. Saoirse se aproximou um pouco mais e encostou sua cabeça no ombro dela.

- Eu ainda lembro... De tudo. Por anos quis cortar tudo isso de minha mente mas aprendi a ter orgulho do que vivi. - Naquele momento, Saoirse percebeu como ainda tinha muito o que aprender com Emma. Caso estivesse no lugar dela tendo que lidar com todas essas situações, ela não teria certeza de como agiria. - Aliás, do que nós vivemos.

Saoirse continuou com sua mão pousada na dela e encostada ao seu ombro,sem haver objeção por parte de Emma e em seguida a abraçou de forma meio desajeitada. Ela pensou como mesmo nunca estando ou se sentindo em um lar, Emma estaria em algum lugar a esperando como sempre. E isso era reconfortante.

- Eu te deixei aqui sozinha. - Disse Saoirse ainda abraçada a ela,lembrando da promessa feita há anos atrás.

- Você tinha seus motivos... Eu entendo.

- Entende?

- Sim. - Ela se soltou lentamente do abraço de Saoirse e erguendo sua mão afastou de forma delicada uma mecha caída no rosto dela por causa dos ventos fortes. - Fico feliz que voltou para casa.

Blue Neighbourhood || Watsonan ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora