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Sentia o cheiro de terra molhada somente de passar na frente da janela, pôde ver de relance o céu nublado e cinzento através do vidro embaçado. Pegara sua bolsa e guardou dentro dela um guarda-chuva, não deixou o celular de lado e o jogou para dentro também. Retornou para o quarto onde havia deixado seu uniforme, parou em frente ao espelho e analisou meticulosamente seu corpo pequeno e pálido; assemelhava-se a uma boneca de porcelana cheia de rachaduras e manchas de sujeira, além de uma camada fina de poeira. Nagisa se sentia um brinquedo velho e quebrado que fora jogado no lixo. Tão ferido, cheio de hematomas e queimaduras, mas não havia nada que pudesse ser feito para resgatá-lo desse ciclo de tortura, de seu inferno pessoal que residia em seu apartamento barato alugado pelo próprio Diabo; sua mãe.
Enrolou a bandagem em seu braço esquerdo, em seguida fez o mesmo com o braço direito. Vestiu as meias-calça pretas, abotoou a camisa branca, fechou o zíper da saia, deixando-a em cima da camisa, e completou o ritual colocando o blazer por cima de todo o resto. Olhou o reflexo no espelho. Faltava a gravata. Abriu os botões do blazer e ergueu a gola da camisa, deu o nó na gravata e refez os últimos passos. Seus olhos espelhados encaravam o corpo frágil exposto para eles, abaixo seus lábios estremeceram e formaram um sorriso falso. Nagisa ria de si mesmo, enojado com a própria aparência.
Retomou o caminho feito em seu "sistema", pegou a bolsa, trancou a porta e desceu as escadas. Ela não estava lá para o acompanhar desta vez. Por mais que não quisesse admitir em voz alta, estava triste por não ter ninguém.
Pessoas desviam o olhar para a figura pequena de cabelos azuis balaçando ao vento, olhos foscos fixos em linha reta emoldurados por olheiras. Os passos eram leves na calçada, sequer emitiam um som quando a sola de seus sapatos tocavam o asfalto para atravessar a rua. E o sorriso que formava para aqueles que a cumprimentavam, os garotos ousados que não pareciam temer a postura inadequada para uma garota tão pequena, era claramente falso, mas ainda os deixava felizes apenas por terem recebido um simples "Bom dia".
Faltando duas quadras, Nagisa paralisou pendendo entre a calçada e a rua, quase sendo levado pelos carros que rugiam ferozmente de um lado para o outro. Baixou o rosto e expeliu em um suspiro todo aquele ar poluído, entristecido repentinamente. Não estava ansioso para chegar no colégio, porém o motivo era outro — este problema tem nome e sobrenome, cabelo vermelho e olhos dourados, além de um sorriso debochado.
— Está surda? Nagisa-chan, estou falando com você — Então uma mão cálida tocou seu queixo delicadamente, era esguia e acolhedora, em seguida virou seu rosto e o ergueu para poder olhá-lo; e lá estava o par de olhos mais ameaçadores que já vira em sua vida, mais maliciosos do que os olhos de sua mãe, e mesmo assim lhe trazia mais segurança do que qualquer outro par que poderia encontrar naquele mar de gente. — Está tudo bem? Tem olheiras e parece cansada. Dormiu bem essa noite?
Delinquente; haviam chamado Akabane Karma por essa palavra diversas vezes, e quando ele se aproximava todos os outros recuavam. Sendo alguém tão mal como disseram, por que ele o olhava com tanta gentileza e fazia aquelas perguntas que normalmente são retóricas, mas soavam tão preocupadas?
— Estou bem, Karma-kun. — Sobrepôs sua mão a dele, pretendia afastá-la de si, porém o calor que sentiu ao tocar a pele do Akabane fez o garoto congelar por um instante. Segurou a mão de Karma e entrelaçou seus dedos, erguendo as enormes safiras que, de um momento para o outro, refletiam mais vida do que qualquer outra pessoa poderia ter.
Continuaram em silêncio, parados e olhando nos olhos um do outro. O sinal havia liberado a rua para ser atravessada, uma multidão marchou para lados opostos, enquanto eles permaneceram no mesmo lugar como estátuas, congelados no tempo naquele mísero segundo em que suas diferenças colidiram e uniram-se sem causar discórdia entre eles.
Os carros voltaram a zunir bem ao lado deles, quebrando o encanto no qual foram aprisionados. Soltaram as mãos e viraram para frente. Karma sorriu discretamente, escondendo a mão dentro do bolso. Suas batidas ecoavam dentro da cabeça, semelhante a uma música baixa. Nagisa, no entanto, juntou as mãos à frente do corpo para tentar controlar o tremor que havia as dominado e a ardência que insistia em tomar suas bochechas, certamente estavam vermelhas como uma maçã madura.
— Nagisa-chan, eu...
— Podemos atravessar! — Interrompeu-o, puxando Karma pelo pulso para o outro lado.
Não o deixou continuar mesmo após chegarem na outra quadra, alegando estarem atrasados e pedindo para que ele se apressasse. Nagisa não foi capaz de esconder o vermelhidão de seu rosto, no entanto, o que despertou um lado provocador no ruivo. Karma começou a apertar suas maçãs macias e a cutucá-las para o incomodar, fazendo comentários que soavam ofensivos, porém vindos dele não passavam de brincadeiras bobas que faziam Nagisa rir.
Demoraram um pouco mais para chegar no prédio da turma 3-E. Todos os alunos estavam sentados no gramado como no primeiro dia, conversando animadamente, o que criava um som mais irritante do que os carros correndo de um lado para o outro. Os olhares curiosos rapidamente dirigiram-se para eles assim que entraram no campo de visão dos colegas, Karma carregava a bolsa de Nagisa enquanto ele arrumava o cabelo em marias-chiquinhas.
Os sapatos do Shiota pararam de mover quando ele notara a tensão que emergiu do silêncio. Soltou os cabelos outra vez e guardou os laços dentro da bolsa, tomando-a bruscamente da mão de Karma antes de correr para dentro do prédio. Depois de ele sumir, aqueles olhos vazios e assustados rolaram lentamente na direção do Akabane, pareciam abutres procurando por alimento.
— O que estão olhando? — Rosnou ele, fazendo todos encolherem os ombros e desviarem o olhar para qualquer canto. Karma balançou a cabeça em negação, decepcionado com o comportamento dos demais. Continuou a dar-lhes uma bronca enquanto seguia para a sala de aula: — Qual é o problema de vocês? Não é difícil tratar a novata como uma aluna normal. Andar comigo não significa nada, Nagisa-chan não vai machucar ninguém — Fez uma pausa quando chegou na porta, direcionando para eles um olhar sombrio e um sorriso amplo, mas doentio. — Diferente de mim.
Deu as costas para eles, suavizando a expressão conforme se aproximava da sala. Empurrou a porta, revelando o garoto encolhido na cadeira, no mesmo lugar em que havia sentado no dia anterior. Nagisa escondeu o rosto entre os braços, que estavam apoiados na mesa. Pôde notar que as mãos dele tremiam. O Akabane suspirou e fechou a porta atrás de si, jogou a bolsa em cima da mesa ao lado do lugar de Nagisa e puxou sua cadeira para perto do menor, atraindo os olhos embaçados dele. Pareciam ter perdido o brilho de um momento para o outro.
— Nagisa-kun? — Curvou o corpo para frente, apoiando as mãos no joelho, e inclinou a cabeça. — Eles fizeram alguma coisa para você ontem?
O garoto balançou a cabeça em negação, ajeitando a postura na cadeira antes de baixar o rosto novamente. Ele juntou as mãos em cima da mesa e começou a brincar com os próprios dedos; ainda tremia. Estava nervoso.
— Posso te contar um segredo, Karma-kun? — Virou-se para ele, puxando as mãos do mesmo e as apertando levemente em uma tentativa de se acalmar. Infelizmente, não foi o suficiente para desacelerar as batidas de seu coração. Sentia que estava prestes a explodir. — Você perguntou o motivo de eu ter retornado e por que minha mãe poderia me machucar se soubessem a verdade.
— Nagisa-kun não parece preparado para falar sobre isso. Está tudo bem, não se obrigue.
— Eu quero! — Levantou em um ímpeto, logo voltando a sentar. — P-podemos conversar sobre isso no intervalo?
— Quer se preparar psicologicamente? — Concordou com um sorriso. — No intervalo, então.
— Obrigado, Karma-kun!

The Porcelain BoyOnde histórias criam vida. Descubra agora