I See You

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— Você limpa o porão e o quarto escuro, Asano-kun — Apontou para a porta entreaberta, dando-lhes um vislumbre da escuridão massiva que o aguardava. O alaranjado o olhou com um sorriso debochado.

— Por que eu, se quem fez merda foi você?

Nagisa baixou a cabeça e juntou as sobrancelhas. Precisaria mesmo de Karma para lidar com ele? Não queria atrapalhá-lo enquanto limpava a cozinha e a sala. Se bem que já estavam atrapalhando por estarem parados no meio da sala, olhando um para o outro, irritados.

— Porque quem irá dormir naquela merda de quarto será você, e não meu bebê — Karma rebateu rapidamente.

— Resumindo, eu que me fodo pelos erros dos outros. Ótimo. — O outro bufou, pegando o balde com suas coisas e descendo as escadas.

Nagisa correu para trancá-lo no porão, surpreendendo a si mesmo e a Karma. Olhou para suas mãozinhas trêmulas.

— Por que fez isso?

— Eu n- não gosto dele- ah... — Respirou fundo, cerrou os punhos e virou-se para o namorado. — E- Ele gosta de ti, Karma. Isso... isso me deixa irritado. Eu não gosto de pensar nele sozinho com Karma... — Encolheu os ombros, envergonhado.

Fora puxado para um beijo. O ar escapou de seus pulmões com o impacto de seus corpos. Como impulso, levou as mãos para o cabelo vermelho, permitindo-o consumir o resto de si que existia ali — ou a parte que fingia ser sua. Karma massacrou a imagem que tinha de si mesmo, que Hiromi criou, então restara apenas ele. Apenas Nagisa. O verdadeiro Shiota Nagisa.

— Ciúmes, meu príncipe? — Murmurou no ouvido do azulado, fazendo-o corar. Karma sorriu. — Eu nunca te trocaria por ele. Nem por ninguém. Eu amo apenas você.

Será mesmo? Pois há tantas pessoas melhores do que ele nesse mundo. Se Karma as enxergasse, então Nagisa perderia tudo.

Karma é seu tudo. Meu tudo.

E isso o assustava. Preocupar-se tanto em segurar as mãos de Karma nessa neblina densa de sentimentos e confusões, o assustava. Precisar tê-lo consigo o assustava. Mas este medo não poderia ser comparado ao alívio que sentia quando estavam juntos. Nem o amor crescente em seu peito. Nenhum outro sentimento era capaz de sufocá-lo, não mais.

Soltou um suspiro prolongado, então afastou-se para mirá-lo nos olhos. 'Duas pepitas de ouro', disse uma vez para si mesmo. Os olhos de Karma eram dourados e brilhantes quando o observavam minuciosamente, cuidando de cada movimento seu com uma expressão preocupada. Por vezes, incomodava o Shiota saber que era tratado feito uma criança, mas não o suficiente para fazê-lo querer parar. Incomodava-o saber que era envolvido por amor, não medo nem ódio. Quando foi a última vez que sentiu o amor de outra pessoa, antes de reencontrar o Akabane?

Recordava-se muito bem. O último resquício de amor que sentiu, veio desta mesma pessoa, há dez anos. Durante a tarde em que se despediram, pois Nagisa teria de partir com sua mãe para outra cidade. 'Descobriram seu segredo sujo', Hiromi informou com o semblante sério, olhando para um bilhete que fora deixado à porta do apartamento. Rapidamente lembrou dos pais de seu amigo na época; o único amigo que teve. Durante a festa de aniversário de Karma, eles o chamaram para conversar e, timidamente, lhes contou sobre as histórias de princesa de sua mãe.

Horas mais tarde teria de vê-lo. E ele queria olhar para Karma naquela tarde. Queria abraçá-lo, chorar em seu ombro e implorar para que nunca o soltasse. Deslocou-se do carro para o banco onde costumavam ficar, estendeu a mãozinha trêmula para o Akabane e, após ver o sorriso do mesmo desaparecer, expôs para ele seu primeiro sorriso verdadeiro. Mostrou-lhe os dentes nele, os lábios gentilmente curvados, enquanto segurava a mão cálida de Karma próxima de seu corpo pequeno e frágil. Então, viu a vida desvanecer de seus olhos antes dourados e ávidos; resumiram-se, de repente, a meras orbes cor de mercúrio, um tom fosco que devorou toda felicidade que um dia o recebeu.

The Porcelain BoyOnde histórias criam vida. Descubra agora