Violent

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Encontrou-se diante da porta, segurando o molho de chaves com as mãos trêmulas. Karma não tinha mentido, afinal. De fato, a porta ficara aberta e as chaves estavam posicionadas no lugar de sempre. Não estava preparado para sair da casa, talvez? Pois estava tremendo tanto, e ele não entendia por que. Era a primeira oportunidade que tinha para fazer isto, caso retornasse para o quarto, certamente Karma passaria a trancá-lo de novo para que não possa escapar.

E mesmo tendo conhecimento disso, Asano ainda escolhia ficar. Por medo, receio, tristeza, qualquer motivo. Não importava. Apenas preferia ficar do que retornar para a casa vazia onde seu pai não estaria lhe esperando; não, não. Asano-san estaria deitado em sua cama, olhando para o espaço vazio ao seu lado e sorrindo de canto, debochando da própria solidão que o assola, sem dar importância para o silêncio que repentinamente começara a fazer companhia para ele.

Sequer notou que seu filho havia desaparecido há um mês.

Soltou um suspiro breve, devolvendo o molho de chaves para a prateleira na cozinha, então arrastou seus pés descalços para o quarto de hospedes. Fechou a porta atrás de si, olhou para a cama vazia e, em um movimento lento, deitou-se na mesma sobre os cobertores.

Ouvia o silêncio que emergia da escuridão. Ouvia memórias de uma criança solitária, espreitando os cantos de quarto. Por vezes, pareciam lamentos vindos da janela, como se a criança espiasse entre as cortinas na esperança de que encontrasse alguém que perdera há muito tempo. E ela esperava durante a manhã melancólica por um chamado à sua porta. Esperava durante a tarde por breves batidas na madeira que os separava do mundo. A criança esperava por qualquer sinal de vida vinda do exterior daquele cômodo sombrio.

Asano orava pela alma da criança que morreu ali dentro. E implorava para quem quer que fosse para protegê-lo dos demônios que se apossaram do corpo que pertencia a criança. Pois os demônios dormiam no quarto ao lado, envoltos nos braços de um anjo que lhe parecia muito mais assustador do que todos eles juntos.

O anjo dormia tranquilamente preso a eles. A criança que desapareceu em meio a própria profundidade, cuja costumava ser rasa o suficiente para poder andar e sentir que flutuava sobre as águas. No fim, tornou-se obsceno. Frio, terrível, seus olhos dourados eram os portões para a perdição daqueles que se encantavam. Não existia nada além de tragédia nas consequências de um laço com aquele Akabane.

E o anjo dormia aninhado aos demônios, abraçado pelo portador da obscenidade que devorava os inocentes que ficavam em seu caminho, amando-o intensamente. Essa intensidade era tão obscura quanto a profundidade de Karma — costumava dizer para si mesmo que ele era um adolescente incompreendido. Talvez ainda fosse, porém não poderia usar essas observações como motivo para defendê-lo. Karma não podia ser defendido.

Nagisa ainda o fazia, no entanto, acusando Asano dos pequenos vacilos que o namorado cometia. Porque estava o distraindo, olhando para Karma de um jeito guloso, desejando seu corpo como Nagisa desejava. Queria fazê-lo parar, mas mantinha silêncio pois era medroso demais para opor-se explicitamente ao comportamento de alguém.

Dentre tantos pensamentos, ele mal notou o amanhecer chegar. Os raios de sol bocejaram na janela e cumprimentaram-no. Levantou-se mais uma vez para ver através do vidro a cidade acender pacificamente. A porta fora aberta enquanto Asano contemplava a naturalidade da luz solar, atraindo seus olhos cintilantes. O brilho desapareceu imediatamente. Karma olhava-o com um sorriso assustador e recordou-se do significado disto. Estremeceu.

O Shiota despertou um pouco mais tarde àquela manhã. Por pouco não se atrasaram para o horário das aulas. Asano estava cabisbaixo. Sorriu quando ele olhou para si, trazendo uma expressão de horror para seu rosto deprimido. Seu namorado era incrível, não?

The Porcelain BoyOnde histórias criam vida. Descubra agora