NOVE

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Os cantos dos seus olhos e da sua boca estavam cobertos por flocos de sal ressecados do oceano. Elisa esfregou o rosto e lembrou da última vez que havia ficado daquele jeito, no enterro de seu pai, onde as lágrimas caíram em uma quantidade que nunca haviam caído em toda sua vida.

Elisa também estava com uma dor de cabeça horrível e seu corpo estava cheio de hematomas. Mas os vergões e as marcas de contusão pareciam não importar nesse momento. O mais importante em seu cérebro latejante era que ela havia voltado a terra firme, exatamente onde ela queria estar: no cemitério Waterside, perto do seu pai.

Ela se sentou à sombra da árvore, ao lado do túmulo. O gramado estava úmido, mas ela não se importava em se molhar um pouco. Elisa havia tirado o traje laranja e o tênis, arregaçando as bordas da calça e aproveitando da sensação de estar inteira. Seus dedos dos pés se agitavam na grama e ela esticou as pernas. Olhou para lápide de granito que marcava o nome do seu pai. Ela sabia que devia sua vida a ele. Depois daquela tempestade miserável, ele a havia guiado para casa, para seu porto seguro.

-Sabe, eu nunca parei de conversar com você lá no meio do mar, a noite inteira -ela dizia. -Acho que você deve ter me escutado.

Claro, ela não acreditava que ele estava ali com ela, debaixo da árvore. Isso era tolice, seu pai não ficava zanzando pelo cemitério, esperando-a vir visitá-lo. Não, ele estava por aí, em algum lugar, uma força, uma energia, ou algo do tipo. E se houvesse um céu, ele com certeza estaria lá, tomando uma cerveja, pescando atum em algum barco celestial.

Elisa deitou-se no gramado, colocou as mãos por trás da cabeça e olhou para cima, fitando as folhas cor de ferrugem. Este era o lugar onde ela se sentia mais segura em todo mundo. O vento soprava do Norte agora e grandes nuvens cobriam o céu, deixando aquela tarde de uma maneira raramente vista, refrescante e pura.

Então, uma imagem da noite anterior tomou sua mente: o Querência havia tombado de cabeça para baixo, o mundo se invertendo.

-Jesus! -ela disse, sentando-se. Ela definitivamente havia aprendido uma boa lição. Passar 3 horas em um barco virado no escuro tinha a deixado muito assustada, agora ela tinha que cumprir a promessa feita ao seu pai.

Ela engatilhou sobre a grama e se apoiou sobre a lápide. Virou seu rosto e apoiou sua bochecha na superfície. Correu os dedos pelo entalhe, onde o musgo começava a crescer.

George Carter
1941-2018

-Eu sabia que você viria me socorrer -ela disse, sentindo as lágrimas brotarem. Esfregou os olhos e espirrou. Ela tinha uma regra simples sobre chorar, que vinha desde a infância. Nunca deixou sua mãe nem qualquer outra pessoa a verem transtornada. Chorar era para os fracos. Mas, na frente de seu pai, as coisas eram diferentes. Quando ela estava triste ele sempre estava lá, ele sempre a fazia se sentir mais forte. Claro, ele nem sempre aprovava suas decisões- especialmente sobre aqueles rapazes da faculdade- mas ele nunca a julgou. Ele definitivamente não era o homem mais tranquilo do mundo, nem o mais correto, porém, ele era a única pessoa que realmente a compreendia. Ninguém mais nunca chegou nem perto disso.

-Eu prometo que vou mudar -ela disse para lápide. -Não vou mais fazer loucuras na água, não vou mais desafiar o destino. Serei uma boa menina pai. -fez uma pausa- Eu finalmente levei um susto daqueles.

Ela esfregou novamente o rosto e passou os dedos pelos cabelos, sentiu outro calombo na parte de trás da cabeça. Aí! Estava sensível ao toque. Quando isso aconteceu? Deve ter sido quando o barco virou. Os detalhes exatos da noite ainda estavam embaçados em sua cabeça e ela ainda se sentia enjoada pelo balanço das ondas e pelo cheiro daquele molho dos infernos. Ela só precisava de um bom banho e uma noite de sono.

Entre Mundos |H.SOnde histórias criam vida. Descubra agora