VINTE E SETE

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Harry

Venha me encontrar...

Eu vi as palavras do bilhete de Elisa bem na minha frente, assim que acordei. Meu corpo doía e um gosto desagradável de bebida preenchia minha boca. Os raios fracos do fim da tarde iluminavam a pequena sala de estar. A chuva triste havia terminado.

Olhei ao redor e vi a desordem no chão: mapas destruídos, tabelas com os horários do pôr do sol rasgadas, a garrafa vazia de Jack Daniels e o piso sujo de sangue. Me sentei no degrau da escada e toquei o machucado. Estava dolorido, mas bem. Não era grave.

Olhei pela janela, mesmo com a cortina fechada era possível ver o sol do lado de fora. Que horas seriam? Verifiquei o relógio em cima da lareira: 17h30. Eu fiquei um bom tempo desacordado. A última coisa de que me lembro era de ter rasgado tudo o que estava na parede. Depois eu devo ter desmaiado. 

No meio da confusão, o resto de um sonho, dolorosamente imcompleto, permanecia na minha mente. Eu estava na água no meio de uma tempestade. As ondas estavam altas, o mar bravo. Eu estava em um barco de patrulha da Guarda Costeira. E aquilo era tudo. O resto estava simplesmente fora de alcance. Eu tentava me lembrar dos detalhes, mas parecia impossível. O uísque deixava tudo embaçado. 

Recolhi os restos dos mapas do chão. Como um quebra-cabeças simples, juntei três pedaços rasgados do mapa que mostrava North Shore, desde Deer Island e Nahant, perto do cabo, até Plum Island e Newburyport. Depois reorganizei quatro retalhos de papel que iam de Hampton até Cabo Elizabeth, incluindo Ilha Boon e Cabo Porpoise.

Olhando ao redor novamente, vi que, surpreendentemente, um dos mapas havia sobrevivido à minha fúria, e estava longe dos outros, com um raio de sol brilhando bem em cima da Ilhas Shoals. Uma lufada de ar empurrou a página até mim, e logo me peguei pensando: será que Elisa está tentando me mandar um sinal ou... me mostrar o caminho? Eu só podia estar louco. Peguei o mapa e obsevervei cuidadosamente cada pequeno detalhe. Ele mostrava a área que ia de Provincertown até Ilha Mount Desert, no Estado do Maine, e um pedaço que ia desde Cabo Ann até Bigelow Bight. Estudei os contornos do litoral e corri meus dedos pelas ilhas perto da costa. 

Senti a adrenalina percorrer meu sangue e a ressaca desaparecer imediatamente quando me dei conta. Aquelas ilhas... Elisa havia deixado o mapa para que eu encontrasse? Seria uma mensagem ou eu estou bêbado demais e vendo coisas?

Quando eu era pequeno, velejei por cada pedaço daquele litoral pedregoso. Eu explorei nove afloramentos rochosos das ilhas de Shoals e escalei até o topo do velho farol de White Island. Eu sei exatamente onde as águas são mais rasas e onde as rochas ficam cobertas na maré alta porque em várias viagens de pesca que eu fiz com o meu pai à ilha nós trouxemos de volta quilos de cavalas e anchovas.

Venha me encontrar...

Estas ilhas desoladas perto da fronteira não estão nem próximas da área de buca da Guarda Costeira. Certo que os primeiros destroços do Querência foram recolhidos a 18 milhas náuticas ao sul de Halibut Point, e o bote salva-vidas estava flutuando ainda mais longe.

Era incrível: nós estávamos fazendo as buscas no lugar errado.

Como eu deixei isso passar? Que idiota! Passei minha infância nessas malditas ilhas... e agora Elisa está esperando por mim. Lá. 

Me levantei num salto e peguei o telefone. Primeiro eu ligaria para Hoody, e depois alertaria a Guarda Costeira. Deus do céu, por favor, faça que alguém me ouça. Talvez não seja tarde demais. 

Eu teclei os números e ouvi Gigi Hadid atender.

-Escritório de administração portuária; posso ajudá-lo?

- Aqui é o Harry. Preciso falar com Hoddy. É urgente.

-Um minuto por favor.

-Eu não tenho um minuto...

A música do telefone do outro lado da linha tocou. Droga. Eu não tenho tempo para isso. Eles precisam chegar lá o mais rápido possível. Mas essa ligação... essa demora...

Enquanto esperava, tentei planejar o que iria dizer. Eu tinha grandes motivos para acreditar que Elisa ainda estava em algum lugar do oceano. O espírito dela me deixou a droga de um bilhete! Ela está chamando por mim. Eu sinto.

-Alô? O que está acontecendo, Styles? -ouvi a voz impaciente de Hoddy.

Desliguei o telefone. Isso era ridículo. Hoddy pensaria que eu estava louco, e para ser sincero, talvez eu esteja. Algumas horas atrás eu estava pensando em tirar minha própria vida e agora...

Senti uma pontada de desespero. Caminhei até a janela em busca de ar. O sol estava começando a se pôr. Niall. Eu não posso faltar ao meu encontro com ele. Mas... o que eu faço com Elisa?

Eu estava ofegante agora e comecei a sentir uma leve tontura enquanto procurava uma camisa. Tem que haver uma maneira de continuar com ambos... tem que haver...

Então a voz de Paul preencheu meus pensamentos: "Deus teve uma razão para te salvar. Um propósito. Um objetivo" . "Não se preocupe, filho. Às vezes demora um pouco para entender as coisas. Mas você vai ouvir o chamado. Você saberá quando for a hora. E aí estará livre."

E foi então que tudo ficou claro. E eu sabia exatamente o que fazer.

Com pressa, peguei meu casaco, corri para porta e disparei pelo cemitério.


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