Capítulo 1 - We get some rules to follow

534 82 200
                                    

Escolas me dão calafrios, eu simplesmente odeio todas as lembranças que eu tenho relacionadas a este tipo de lugar. Os corredores com os armários e os bullies que saíam do ralo pra me jogar contra a parede, os professores que não defendem os alunos e os poucos que têm pena dos alunos estranhos como eu.

Minha vida escolar tinha sido um inferno porque eu nunca me encaixei, o que só piorou no ensino médio, quando todo mundo estava mais preocupado em transar e se drogar, entre outras coisas. Entenda, eu não gostava de prestar atenção na aula, mas tinha plena ciência que era aquilo que podia me tirar daquela situação insuportável. E claramente eu estava certo.

Se não fosse por alguns amigos e Frank, eu não teria sequer sobrevivido àquela época tenebrosa da minha vida. Ainda bem que eu tinha Ray comigo e Bert para me fazer aguentar - o último conseguia causar medo nos bullies, então eles pouco me importunavam quando eu estava andando com ele, por conta de seu jeito excêntrico. As vezes lembro dele com carinho, me questionando sobre como ele está, já que perdemos contato.

Na verdade, perdi contato com todas as pessoas daquela época, principalmente por causa de Frank. Há uma lei na física que diz que dois corpos não ocupam o mesmo espaço e eu resolvi aplicá-la, porque não estava pronto para circular pelos mesmos lugares que ele depois que tudo aconteceu.

Frank era bem mais novo que eu, mas estava na mesma sala de Mikey, meu irmão, e a gente acabou se conhecendo assim. Eu no último ano, prestes a ir para a faculdade e ele entrando no primeiro ano no ensino médio. Sempre houve algo sobre ele que eu simplesmente não conseguia verbalizar.

Ele era um furacão e não demorou para que eu fosse arrastado para o epicentro daquilo. É claro, quando você tem 18 anos tudo é maior e mais intenso e você experiencia as coisas de maneira muito mais afetiva, mas havia algo sobre ele que eu sabia que reverberava em mim - porque até hoje ainda ocorre, as vezes. É como uma música mesmo, que você ouve e a sua mente te joga para o momento, ou te lembra um de um cheiro que você achou que tivesse esquecido.

Eu só sobrevivi àquela época por ele, literalmente, porque ele era a minha única fonte de dopamina, mas isso fui entender mais tarde, no consultório do meu psiquiatra. Ele era tudo para mim e eu nunca entendi direito porque não demos certo, apenas aceitei e segui com a minha vida. Honestamente, espero que ele tenha feito o mesmo. Conhecendo-o, sei que ele o fez e se tornou uma pessoa incrível, porque sempre foi.

Quando acabou, achei que eu fosse morrer de tanto que me doía. Além de não tê-lo mais comigo, toda a vida que eu reconhecia como minha tinha acabado. Foi um ano só, mas o suficiente para se tornar inesquecível na minha cabeça, o que havia sido desesperador por muito tempo - achei que não fosse conseguir me relacionar com ninguém, mas eu era novo demais pra chegar a essas conclusões. Claro que quase vinte anos depois, estava tudo bem.

Frank foi embora da minha vida levando todos e tudo, até a minha vontade de viver. Só não levou Mikey porque era meu irmão.

Mas aí a vida aconteceu, como sempre. Quando você mais sente que seu mundo acabou, ou que o tempo parou, você percebe que a vida continua e você não tem controle nenhum. Logo entrei na School of Visual Arts, em Nova Iorque, me mudei para lá e tive uma típica vida universitária. E mais alguns relacionamentos até que conheci Lindsey.

Com ela, era tudo diferente, tinha até medo de me afogar. Ela era como se fosse um oceano cuja maré vai subindo e você não se sente mais tocando os pés no chão, perdendo a noção de onde você está. Quando você vê, está submerso, tentando nadar e sem ouvir nada além de um zumbido e sua respiração. Era essa a vida com ela, um eterno mergulho - nunca um furacão.

Segurei meu caderno e caneta contra meu peito, sem perceber. Tinha tido uma reunião com um estúdio de produção cedo e ainda usava a mesma roupa; de um jeito o dia só passou e eu esqueci de me troca. Um terno preto, que me deixava parecendo mais um advogado que um quadrinista. Eu ainda não entendo como as pessoas só levam a sério quem está de terno. Confuso, procurei pelas setas desenhadas em papel que supostamente indicariam o caminho.

Ouvi passos se aproximando e uma voz familiar. "Não dá pra entender porra nenhuma," o homem bufou, enquanto falava consigo mesmo, mas acho que secretamente esperando que alguém respondesse. O olhei de soslaio.

Perdi a respiração.

Perdi o chão.

Por um segundo, achei que estivesse sonhando.

Quando virei para ver o homem que reclamava, dei de cara com aquele que tinha destruído a minha sanidade adolescente há vinte anos atrás. Mas de forma alguma, eu não estava com raiva. "Meu. Deus." eu disse chocado.

A reação dele foi similar, porque ele arregalou os olhos antes de qualquer outra reação. Achei que ele fosse sair correndo, mas ele apenas levou a mão à boca e eu pude ver que seus dedos estavam cobertos por tatuagens - não consegui decifrá-las, porém. "Gerard?" ele perguntou, meio que para confirmar, antes de me envolver em um abraço apertado, contra o qual não pude nem resistir.

Fiquei imóvel porque não conseguia elaborar meu pensamento, fazia tanto tempo que eu o tinha visto pela última vez. Eventualmente, retribuí o gesto e desejei que não tivesse feito, porque o perfume estonteante dele me invadiu as narinas, junto com o cheiro de cigarro. E aquele cheiro dele. "Nossa, Frank!" Finalmente consegui articular algumas palavras.

Nos afastamos - ambos constrangidos demais com a situação, mas também para nos olharmos melhor. "Quanto tempo," ele disse, mordendo seu lábio e escondendo as mãos nos bolsos da calça jeans. O mesmo jeito de sempre. Ele ainda se vestia como um adolescente, o que fez me rir comigo mesmo, uma blusa de moletom do Black Flag, uma calça jeans e um par de vans pretos - como ele se vestia há vinte anos.

"Muito!" eu disse. A esse ponto, eu já havia esquecido o motivo de eu estar onde estava, que era a reunião. Da minha filha. "Como você tá?" ou por que você nunca me procurou? Ou por que eu nunca te procurei? Ou o que aconteceu nesse tempo? "Aliás, por que você tá aqui?" perguntei rindo, e ele se juntou à mim.

"Eu to bem. E você? Como tá? Eu vim pra reunião," ele disse, gesticulando. Como um déjà-vu, o arquivo dele na minha cabeça foi aberto e eu lembrei suas expressões, seus trejeitos. "Preciso falar com a Sra. Campbell, mas não acho a sala." Ele olhou ao redor. "Mas deve ser ali!", disse acenando com a cabeça.

"Eu to bem, também," eu olhei para onde ele indicou, brevemente porque estava mais interessado em olhar para ele e identificar tudo que havia mudado em seu corpo nesses anos todos. Era muito. Eu podia dizer pelas tatuagens no pescoço e nas mãos que ele devia ter mais um monte. "E é a professora da minha filha também," eu disse rindo.

"Uau. Você? Pai?" Frank riu como se eu tivesse contado uma piada, o que me incomodou num primeiro momento, mas eu acabei por ignorar, porque para o Gerard de 18 aquilo realmente parecia absurdo.

"Sim, você acredita?"

"Honestamente? Não!" ele continuou gargalhando do jeito que fazia sempre: alto e engraçado. Até que seu cabelo que estava meio comprido caiu sobre o seu rosto. Ele tirou a franja da face com uma das mãos. "Eu não acredito que você tem uma filha e que ela tá na sala das minhas..." meneando a cabeça, ele foi deixando de rir. "O que é isso? Nós? Pais?"

De repente, a pessoa que eu fui entrou no corpo da pessoa que eu sou. Essa pessoa queria pular no pescoço de Frank e beijá-lo até que ficássemos sem ar, como fazíamos há tempos atrás, mas a pessoa que sou se contentou em apenas encher os olhos com a visão.

"Não dá mesmo pra acreditar. Você tem filhas, assim, no plural?" era eu quem estava rindo agora. Ele era tão novo... Ou não, não mais, afinal eram só quatro anos a menos que eu e conforme o tempo passa, isso vai diminuindo.

"Sim, gêmeas."

"Uau. Eu já sofro com uma, imagino com duas..."

"Pois é... Gerard, eu preciso falar com a professora, mas você me espera no estacionamento pra gente fumar um cigarro? " pouco a pouco, fui lembrando efetivamente do que vim fazer. Concordei e seguimos com as nossas obrigações de pais.

No One Knows [FRERARD]Onde histórias criam vida. Descubra agora