Prólogo

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Há algumas coisas na vida que são feitas para amar, como por exemplo o barulho dos carros correndo no chão da rua molhada depois de uma chuva, o cheiro aconchegante de café fresco, a sensação de ouvir uma música inesquecível pela primeira vez, ou de abrir o estojo de lápis de cor com mais de 50 cores. E ser pai.

Quando recebi a notícia que seria pai, entrei em negação, fiquei completamente transtornado. Por mais que pareça de alguma forma o curso natural da vida, eu nunca pensei que pudesse concretizar, nunca sonhei com isso. E depois, nunca pensei que pudesse sequer dar conta de ser responsável pela vida de outro ser humano. E com vida, eu digo aquele intervalo que surge quando nasce o bebê até que eu me separo da pessoa, quando morro.

Aos poucos me acostumei com a ideia e não demorou muito para que entrasse na lista das coisas que eu mais amo na vida. Aconteceu e me acometeu de um jeito que não tive mais controle, eu me apaixonei por ser pai. Toda a expectativa da espera pelo nascimento, depois acompanhar cada som que ganha forma de palavra, cada passo que se torna caminhada. Todas as noites de febres, todo o cansaço físico e mental, mas também todas as vezes em que o feeback é intenso e incrível.

Bandit me mudou de maneiras que eu jamais entenderei completamente e aprendo com ela a cada novo dia, toda vez que noto um traço novo na sua personalidade ou que tenho vontade de brigar com ela por algo que ela faz sozinha e errado. É realmente muito intenso você ver uma parte de você tomando decisões e agindo no mundo. Com seus oito anos, Bandit já fez mais por mim do que muita gente, apenas pelo fato de existir.

A caminhada é realmente turbulenta e linda, mas se há algo que eu não gosto são algumas tarefas inevitáveis, como por exemplo a reunião de pais e professores. Ouvir alguém falando sobre minha filha me dá calafrios, e por isso, Lindsey sempre é a escalada para essa atividade. Geralmente ela não consegue ir e acabo tendo que assumir a missão.

Não são todas as crianças que tem um pai quadrinista que as vezes gosta mais de agir como um personagem do que como uma pessoa, não são todos os professores que entendem ou aprovam e o medo de retaliação me é inevitável. Mas não havia discussão.

"Pai, você só precisa ir falar com a Senhora Campbell," Bandit dizia gesticulando de um jeito que me fazia lembrar minha avó Elena, o que me trazia um conforto no coração e uma lembrança feliz. Apesar de não terem se conhecido, para mim era como um jeito de tê-la comigo. "Não precisa falar com os outros."

Lindsey e eu trocamos olhares, chegando a conclusão de que Bandit talvez estivesse escondendo alguma coisa. "Só com ela, Bee?"

Ela acenou positivamente e deixou sobre a mesa o giz de cera com o qual desenhava uma cena que lembrava um pouco o nosso jardim e alguns esquilos, que apareciam sempre. "Sim," ela soou séria o suficiente para que eu e Lindsey não nos olhássemos para não rir. "Os outros não têm nada a dizer sobre mim."

Dei um beijo delicado em sua testa antes de bagunçar seu cabelo e ela reclamar. Não sei quando meu nenê virou uma pré-adolescente birrenta e séria, mas por enquanto, eu achava engraçado. Lindsey me acompanhou até a porta, nos despedimos e eu fiz o caminho até a escola de Bandit. 

No One Knows [FRERARD]Onde histórias criam vida. Descubra agora