Capítulo 3 - We get these pills to swallow

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O caminho para casa foi uma tortura completa. É óbvio que a chuva de pensamentos não ia me deixar em paz e que eu ia ficar remoendo tudo o que tinha acabado de acontecer.

Quando eu repetia para mim o que estava acontecendo, tentando trazer sentido, nada parecia ser coerente. Como você vai para a reunião de pais da escola da sua filha, reencontra seu ex-namorado de adolescência e acaba se pegando com ele no estacionamento? Eu fui enfático o suficiente? No estacionamento da escola da sua filha!

Por mais que eu tentasse não me culpar tanto, estava completamente perdido em relação a isso. Até que resolvi aceitar que tinha sido um episódio único, algo como um sonho - que aconteceu não sei como. Eu ia voltar para minha casa, para minha vida e para a minha rotina, e tocar as coisas da maneira de sempre. Se eu superei Frank uma vez, quando tudo ainda era mais difícil, eu superaria novamente.

Os dias que seguiram o evento foram estranhos. Não porque algo aconteceu, mas porque algo havia mudado em mim. Eu já não conseguia agir da mesma maneira, além de estar frustrado porque ele havia pedido meu número, mas não havia enviado sequer uma mensagem para que eu pudesse salvar o seu.

Mas nossa, 34 anos e ainda fazendo joguinhos? Que preguiça. Era melhor mesmo que eu deixasse para lá e voltasse a me concentrar nas coisas que realmente me importavam: minha vida familiar e meu trabalho.

O beijo escondido no estacionamento não me deixava em paz. Parecia que eu tinha 20 anos de novo. Tentando superar Frank de todas as formas possíveis, mas sem querer cair naquele limbo novamente. Na verdade, sem poder.

Absorto em meus pensamentos, nem percebi quando Bandit se aproximou do carro que eu havia estacionado para buscá-la, na frente da escola. Será que toda vez que eu viesse pra esse lugar eu ia ficar completamente perdido? Talvez eu precisasse trocar as tarefas com a Lindsey.

"Oi, pai!" Bandit gritou, tentando puxar a porta que eu não havia aberto. Aí me toquei.

"Hey, Bee," abri o carro finalmente e ela entrou no banco de trás, jogando sua mochila e a lancheira no chão. Suada e ligada no 220, ela parecia feliz o que me deixava bem. "Como foi o dia?"

"Foi incrível!" ela começou. "A gente definiu os grupos e as coisas do trabalho de ciências e eu fiquei com o vulcão!" Bandit contava rápido. Ela tropeçava nas palavras, falando sobre o trabalho com alegria contagiante, enquanto voltávamos para casa.

O bom é que ela preenchia todos os silêncios criados pela minha mente, então eu não precisava nem pensar em me ocupar. Ela contou do dia na escola, passando por todas as aulas e falando dos amigos - o que me fazia concluir que minha filha não era uma perdida, uma excluída como eu fui. Ainda bem. Acho que ela era mais esperta.

"Mas daí, pra feira de ciências a gente tem que levar o vulcão. Você me ajuda?"

"Posso tentar, mas a mamãe tem mais jeito com essas coisas," eu disse. Primeiro ela parecia desapontada, mas depois deu risada. "O que foi, Bee? É verdade! Eu posso te ajudar com outras coisas se você quiser, mas acho que a mamãe é mais indicada pra isso."

"A mamãe vai falar a mesma coisa de você, tenho certeza." Menina esperta! E eu imaginava mesmo que Lindsey fosse empurrar pra mim a missão de construir um vulcão de bicarbonato de sódio em um fim de semana. "E tenho que fazer com as gêmeas. Elas podem vir no sábado?"

"Claro. De manhã a mamãe tem que ir visitar uma galeria no centro, então acho que vocês vão ter que me aguentar," eu ri, sem prestar muita atenção a priori no que Bandit tinha me dito. Até que minha mente me lembrou: Frank tinha falado que tinha duas filhas. E gêmeas. Mas não podia ser, era apenas muita coincidência.

Chegamos em casa e Bandit percorreu toda a sala, indo ao encontro da mãe enquanto eu ficava encarregado de carregar suas coisas, que deixei por preguiça, no sofá. Enquanto fui à cozinha para tomar um copo de água, meu celular vibrou no bolso de minha calça.

"Hey, meu número. xofrnk" dizia a mensagem de um número desconhecido. Minhas bochechas coraram imediatamente e meu batimento cardíaco disparou - se eu estivesse usando um relógio que mede essas coisas, provavelmente ele teria apitado. Sorri para a tela, mas corrigi minha expressão enquanto bebia o copo de água.

"Hey, salvei. xo," mandei de volta, esperando não receber nenhuma mensagem e mentindo porque eu não tinha realmente salvado. Eu tinha receio de ser descoberto, achei que era um jeito de não levantar suspeitas em Lindsey.

Eu nunca nem mencionei Frank para Lindsey porque também achei que nunca fosse necessário. Contei a ela porém que tive uma experiência traumática de relacionamento no começo da vida adulta, mas nunca nos aprofundamos muito nisso. Essa era minha política: eu não queria saber seu passado e não queria contar o meu. E funcionou bem para a gente.

"Sua filha chama Bandit?" ele mandou outra mensagem.

"Sim. 'As gêmeas' são as suas por um acaso?" questionei.

"Sim. Haha. Elas têm um trabalho juntas... Brincadeira, né?" não entendi o tom que ele usou na mensagem, mas resolvi encarar como uma brincadeira do universo para nos aproximar. Não percebi quando Lindsey se aproximou de mim silenciosamente, me fazendo quase jogar o celular no chão.

"A Bee te falou do trabalho?" ela perguntou, enlaçando minha cintura com seu braço e plantando um beijo sobre minha bochecha num gesto carinhoso.

"Sim. Ela me pediu ajuda até, disse que tem que fazer dupla com as meninas. As gêmeas," Lindsey riu. "Você se livrou, né?" cutuquei o seu ombro, fazendo com que ela risse mais e ela apenas deu de ombros e me soprou um beijo.

"Acho que você vai ter que cuidar de três meninas pré-adolescentes no sábado..." ela disse, me fazendo rolar meus olhos. Quando ela se separou de mim para dar a volta no balcão, aproveitei para guardar meu celular no bolso - responderia Frank mais tarde. "Vou falar com a mãe delas pra elas virem aqui. Por favor, não deixa essas meninas chegarem perto do meu ateliê, hein!"

Eu podia falar para ela: deixa que eu combino com o pai delas. Ah, é, o pai delas que é meu ex-namorado. Aquele que me amei demais quando era mais novo, lembra? Mas apenas concordei com ela e ri de maneira plástica. Era melhor que Lindsey falasse com a mãe das meninas e que Frank desse o jeito dele de aparecer na minha porta, porque o conhecendo, eu sabia que ele daria.

No One Knows [FRERARD]Onde histórias criam vida. Descubra agora