Racionalização

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 Estalou a língua em desagrado ao chegar na casa do líder, se havia algo que não queria fazer era aquilo, porém já passara uma boa quantidade de tempo enrolando e quanto mais tempo se passava maior a probabilidade de tudo retornar para lhe causar mais problemas. Permaneceu inerte frente à porta por alguns segundos, remoendo e amaldiçoando as escolhas de vida que o levaram àquela situação, considerando simplesmente largar o "pássaro" à própria sorte.

 Escolheu prosseguir, tratando de convencer a si mesmo que apenas não o deixava pelo valor como informante, repetindo a justificativa na mente até crer. No final também seria beneficiado, quer a ordem que iria pedir resultasse em morte ou não, era útil, o único empecilho se veria presente caso Shigaraki desejasse uma explicação. Tinha plena consciência que era uma relação de utilidade mútua, fundamentada em lealdade e nenhum laço mais, o que fazia favores serem um desgosto em pedir.

 Atsuhiro abriu a porta, aparentemente não era exclusivo em assuntos a tratar, pôde assumir que discutiam sobre a trégua recentemente estabelecida e o descontentamento do homem com o peso morto que seu braço se tornara. Atingido no plexo braquial durante a invasão em que Magne veio a falecer, o membro não lhe servia de nada mais além de estética, sem qualquer sensibilidade restante e incapaz de movimentos.

 Toya adentrou com a face estoica, revisando mentalmente como iria falar e percebendo Tomura sentado no sofá, o pé esquerdo descalço no acolchoado e o direito calçado no chão, um braço sobre o joelho mais próximo do rosto:

 — Dabi, que raro aparecer por conta própria. — passou as unhas curtas pelo próprio pescoço, adicionando vermelho à pele já flagelada — O que veio falar?

 — Vai ficar aqui? — questionou o Todoroki, encarando Sako.

 — Ainda tenho coisa pra dizer, então sim, mas vá em frente. — sentou-se em uma poltrona, aguardando a vez retornar para si.

 — Tem um tira da federal rodando pelo morro, quero que bote ele na lista. — encontrou no celular uma foto adequada o suficiente — Endeavor.

 — Por mim tudo bem. — removeu os dedos do local — O que ele quer por aqui?

 — Informações sobre a liga.

 — Para que?

 — Coisa boa não é. — evitou, não transparecendo saber de mais.

 — Só isso?

 — Não. O território do bar do falcão, precisamos dele de volta.

 — Estamos no meio de uma trégua.

 — É onde consigo informação.

 — Está tendo algum problema com isso?

 — Sim, ele. — reforçou movendo o telemóvel ainda em mãos.

 — Não posso fazer nada. Vou falar de novo: tamo em trégua.

 — Posso perder o informante assim.

 — Achei que ele só queria informação sobre a liga. — Mr. compress intrometeu-se, arqueando uma sobrancelha.

 — Ele passou algumas informações falsas pra despistar ele de mim, acontece que não deu certo o suficiente.

 — Não é a sua cara tar pedindo proteção pros outros. — pontuou, conseguindo uma expressão incomodada da face alheia.

 — De onde você tirou que eu pedi alguma coisa?

 — Se ele fez por querer, por que liga se vai dar ruim pra ele?

 — Porque ele é um bom informante, já disse.

 O semblante irritado o liberou de mais questionamentos por ora, Compress ergueu as mãos com os cotovelos nos apoios da poltrona em sinal de rendição, permitindo que Shigaraki tornasse a comandar a conversa:

 — Explica isso direito, que eu saiba Hawks vende informação pra quem quer que seja contanto que pague. — por mais que o Todoroki evitasse nomes, era impossível não fazerem a associação, estava diante dos dois membros mais conscientes dos acontecimentos do morro em toda a liga da quebrada.

 — Se você der a proteção, ele topa ser exclusivo.

 O líder fitou o traficante, mudando de posição no acolchoado e ajustando o moletom ao considerar mais um ponto antes de decidir:

 — E você confia?

 Só havia uma resposta certa, a qual consistia de tomar a responsabilidade para si. Sempre foi bom em se distanciar de pessoas, a falta de ligações profundas era útil quando se tinha aquele estilo de vida, portanto não deveria ser mais grande coisa a fala com violência implícita. Ignorando toda lógica, tomou alguns segundos antes de responder, o que não o fez feliz consigo mesmo:

 — Se ele não manter pode deixar que eu mesmo resolvo.

 — Ele pode ter proteção enquanto tiver do lado de cá, se quiser vir. Onde ele vai ficar é problema seu, você que tome conta pra ele não sair dando com a língua nos dentes.

 — Tá, vou vazar já que tá tudo resolvido.

 — Pode sair junto, Compress, Toga e Twice vão cuidar da SH, o melhor a fazer é largar.

 — Você que manda. — deu de ombros, arrumando o boné para cobrir todos os fios e recolocando a Juliette.

 A dupla saiu da casa com passos calmos, prestes a se separarem na varanda, cada qual com sua moto, quando Atsuhiro decidiu fazer um comentário sobre a cena que acabara de presenciar:

 — Sabe, eu sempre admirei sua capacidade de não se envolver com os outros, nós dois sempre vivemos desapegados... não acho que devia perder essa essência.

 — Se é assim por que tá pagando o advogado daquele moleque? — mudou o foco ao lembrar do garoto da boca que recentemente foi preso.

 — Popularidade, negócios... o pessoal da rua gosta dele e obviamente ele vai ter que pagar o dobro pela arma e pelo advogado quando voltar. Lembro que você falou que preferia vender em casa pra não ter que lidar com gente dessa idade.

 — Incompetência demais.

 Riu levemente, recordando de parte dos problemas que teve causados por menores de idade, retornando ao assunto logo em seguida:

 — Fofoca é o que mais tem aqui na quebrada, não é difícil ligar os pontos depois de ouvir do "cara de casaco azul que vai pra área restrita do bar do falcão direto".

 — Desde quanto tu se importa? — o tom tinha apenas indiferença, acompanhado da face estoica.

 — Desde quando passamos a fazer parte da LDQ. — tocou no ombro do outro de forma amigável — Sério, te cuida.

 — Valeu. — respondeu sem se importar muito, subindo em seu veículo em seguida.

 Por mais que se esforçasse para esquecer, as palavras do companheiro permaneceram martelando no lado esquerdo de seu cérebro, rebatendo sua racionalização sobre como definitivamente não estava agindo de modo sentimental.

Boku no morroOnde histórias criam vida. Descubra agora