Sob o mesmo teto

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 Toya se levantou apenas para apanhar o beck esquecido no bolso do casaco, retornando para a cama rapidamente e o acendendo. Sabia que se Keigo se incomodasse em ser fumante passivo se vestiria e sairia, contudo este permaneceu, pedindo simplesmente que abrisse mais a janela, coisa que fez. Passaram algum tempo calados, o loiro observando ao redor e o de cabeleira tingida mantendo a mente vazia enquanto podia:

 — Vai começar um laboratório por acaso? — questionou Takami, observando um tubo de metal de aproximadamente treze centímetros ligado a uma base na bancada ali presente.

 — Eu lá tenho cara de cientista? — retrucou sem entender, focado no teto.

 — Não sei, mas também não tem cara de médico e sabe tratar ferimentos.

 — Guardo informações úteis, só isso. — cortou e levantou um pouco, encontrando o motivo do início da conversa — Esse treco não é nada de mais, comprei porque gostei.

 — Agora fiquei curioso, você não tem muita coisa inútil. Não me diga que comprou porque faz fogo azul.

 — Não é da sua conta.

 — Eu não acredito. — riu encarando o objeto — Você tem problemas, cara.

 — Falou o viciado em frango. — deu mais uma tragada, mantendo nos pulmões por segundos antes de expelir.

 — A culpa é minha se o gosto é bom?

 — Olha o canibalismo, passarinho. — brincou, espiando a face alheia.

 — Sou uma ave de rapina, respeita. — entrou na onda, arrumando a posição para ficar mais próximo a Dabi, acima deste, sustentado pelas palmas afundando no colchão macio, uma de cada lado do traficante.

 — Oh, que medo. — zombou, assoprando fumo no rosto do parceiro — É sério que eu te livro daquele casaco ridículo e você pega e faz uma tatuagem igual?

 — Correção: estragou minha jaqueta estilosa.

 — Eu te fiz um favor, aquelas mangas felpudas eram horríveis... a tatuagem é estilosa.

 — Foi um elogio? Que raridade.

 — Não se acostuma.

 O Todoroki colocou o enrolado de maconha no cinzeiro ao lado da cama, passando os dedos agora desocupados pelas costas do menor, notando a pele quase completamente normal e acostumada com a tintura permanente. Percorreu o que conseguiu identificar com o tato, acompanhando o contorno preto das asas vermelhas, com o olhar turquesa fixado nas íris douradas:

 — Nunca vi falcão ter penas vermelhas.

 — Sou um espécime raro.

 Terminada a exploração, segurou a bochecha de Hawks e o deu um beijo profundo, cada vez mais necessitado ao progredir. O companheiro alterou a pose, passando as pernas uma de cada lado no colo do dono da casa, o rumo da situação retomando o sensual anterior. Dabi agarrou a cintura alheia e inverteu a situação, ficando por cima e distribuindo chupões no corpo em frente.

 Se houvesse uma lista de coisas que Shoto não estava nem um pouco afim de ouvir, seu irmão transando no andar de cima certamente seria um dos primeiros itens nela, dificilmente conseguiria apagar da memória. Pôs os fones de ouvido que comprara na mão de Kaminari previamente e decidiu interagir com o gato preto que cheirava algo no quintal.

 Ficou confuso quanto ao conjunto de cinzas na grama, ponderando o que Toya queimara ali, recebendo sua resposta quando sentiu falta da cadeira quebrada, não era como se não houvesse conserto. Viu o felino rondando a cozinha, entendendo que ele o seguira provavelmente em busca da comida que frequentemente lhe era dada, portanto o bicolor encontrou os restos de carne da geladeira e os deu em um pote depositado do lado de fora.

 De volta à grama, se ocupou em remover os carrapatos do bichano, ao menos os que foi autorizado a remover, pois haviam parasitas causando dor quando tentava os desprender da pele do animal, o fazendo ameaçar morder o jovem. Brincou com o pequeno, utilizando um pedaço de barbante sem propósito em uma das gavetas na sala de estar, se divertindo até que o amigo perdesse o interesse, retirando os fones de seu ouvido e percebendo que não mais escutava gemidos inoportunos.

 Para sua surpresa, ao ir à procura de um lanche encontrou um conhecido sentado no piso navegando a internet pelo celular, sem camisa. Keigo o cumprimentou primeiro:

 — E aí, tudo bem?

 Processou por um minuto, geralmente entravam meros usuários de drogas para comprá-las com o parente, no entanto ali estava o homem de novo, calmo e agindo como se praticamente vivesse ali. Sabia quem eram os integrantes de alta importância de ambas as facções e ele com certeza não estava na lista, uma única possibilidade lhe veio à mente:

 — Você e meu irmão estão juntos?

 — Depende do que é "juntos"... ah, foi mal pelo barulho.

 — Tô tentando esquecer o que ouvi. — observou o fogão aceso, assando algo — O que tá fazendo?

 — Nuggets.

 — Nem sabia que tinha aqui.

 — Nem eu, mas achei na geladeira. Quiser um pouco só pegar quando ficar pronto.

 — Quero não, valeu. — a situação era um tanto esquisita, porém o mais novo iria aproveitar para entender quem era o tatuado acomodado no piso — Você é de alguma facção?

 — Não, nem pretendo entrar. Sou suspeito assim?

 — To... Dabi, não me conta muita coisa, só tô tentando entender. Eu nem sabia que ele gosta de homem.

 — Achei que vocês eram mais próximos, se bem que é um assunto que algumas pessoas não gostam de falar com a família.

 — Não tem motivo pra esconder de mim, sou gay que nem vocês.

 — Vocês não, que feio assumir a sexualidade dos outros.

 — E você é o que?

 — Caiu na vila o peixe fuzila. — o outro permaneceu confuso com a fala, então esclareceu — No meu caso isso quer dizer pan.

 — Entendi.

 — Sobre você e seu irmão... vem cá, vocês conversam ou só vivem sob o mesmo teto?

 — Como? — tombou a cabeça para o lado levemente, intrigado.

 — Sei lá cara, não é da minha conta, mas digamos que eu tenho fama de conselheiro. Vocês parecem distantes, ficam no mesmo cômodo mas não trocam mais do que um "você quer chá?". Não sei muito sobre você, mas me parece um cara quieto, já aquele lá só abre a boca pra sacanear alguém, não parece que rola comunicação aí.

 — Você é bem observador. — comentou, passando a pensar no fato apontado pelo loiro.

 — Tenho que ser. — desligou o fogão, aguardando mais um pouco antes de remover a assadeira com a ajuda de um pano.

 — Ainda não me disse o que é do meu irmão.

 — Hm... é um negócio casual, saca? Eu costumava vir aqui bastante, ele que ficou meio bravo comigo antes e parou de chamar.

 — Se me encher o saco de novo é melhor sair voando. — apareceu o dito cujo, abrindo a geladeira tão logo a alcançou.

 — Não morre mais.

 — Vê se não tá abrindo o bico sobre o que não é pra falar.

 — Minha boca é um túmulo, tô ofendido.

 — Sei. — ironizou, apanhando um lanche para lidar com a larica.

 A conversa prosseguiu principalmente com brincadeiras do informante e respostas à altura vindas do cliente, sem deixar o bicolor de fora, dissipando qualquer estranhamento que as circunstâncias poderiam causar.

Boku no morroOnde histórias criam vida. Descubra agora