Explicações

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 Mais uma vez o bicolor estava no apartamento do namorado, desta vez o clima estava estranho, não era exatamente um assunto fácil de puxar, muitas lembranças dolorosas acumuladas que ele preferia manter enterradas. Havia prometido e agora não podia simplesmente dar alguma desculpa e desaparecer, não após duas semanas de considerações quanto a se realmente deveria revelar aquilo.

 Estava sentado no sofá ao lado do amado, quem tomou sua mão e passou a deslizar o polegar gentilmente pelo dorso alheio, sutilmente aliviando a tensão. O mais alto respirou fundo e começou por onde achou mais adequado:

 — Eu saí de casa pouco depois de fazer dezoito, viver com meu pai era uma tortura. Ele sempre teve uma obsessão doentia com as minhas notas, se eu tirasse menos que nove, eu apanhava... minha mãe me defendeu quando eu era pequeno, acabava levando os golpes por mim, mas depois de tanto tempo defendendo meus irmãos nem ela aguentava mais.

 — Quantos irmãos você tem? — demonstrou interesse enquanto continuava com o conforto físico.

 — Três, eu sou o caçula. — tomou cuidado ao prosseguir para não revelar muito do primogênito — O mais velho já tinha saído de casa quando eu cheguei na maioridade, eu era adiantado então o meu terceiro semestre da faculdade ia começar, só que eu aproveitei as férias e convenci ele a me buscar numa madrugada. Como mora na favela ele ficou relutante, no final eu fui e deixei uma carta especificamente falando que eu fui embora por que quis, dei pros meus irmãos por temer que meu pai destruísse e abrisse uma investigação como sequestro.

 — Armar o próprio filho? — arregalou os olhos com o absurdo que ouvia.

 — Não me surpreenderia, ele não tem o melhor compasso moral. Bem, eu dou meu jeito... sei que não gosta que eu venda casacos falsificados, eu também não, mas ainda não consegui um emprego melhor.

 Silêncio reinou, o esverdeado digerindo toda a história trágica que escutara em resumo, incerto de qual pergunta fazer primeiro. Optou por iniciar com o detalhe passado por seu padrasto:

 — Seu pai era federal? All Might disse que era um colega dele.

 — É... ele ainda está na ativa.

 — Endeavor? — disparou, surpreso assim que fez a conexão mental, Enji era bastante conhecido.

 — Sim, sinceramente eu odeio ouvir ou falar dele, não quero lembrar de tudo o que aconteceu, acho que foi por isso que demorei para te contar.

 Midoriya no momento percebeu, mesmo com a versão curta da história, a quantidade de bagagem emocional que o mais novo se ocupava em soterrar. Mesmo com todo seu esforço para fazer o parceiro se sentir seguro, os muros conotativos construídos ao redor de si mesmo permaneciam, assemelhando-se com uma represa onde uma rachadura era adicionada cada vez que o assunto aparecia.

 O pior de tudo era como evitava, consertando a estrutura porcamente com fita adesiva até que rompesse de vez. Insistiu nos questionamentos, pescando por informações extras:

 — A cicatriz, foi ele?

 — Não, minha mãe acabou enlouquecendo, consequência dos anos sendo tratada como foi, ela está em um hospital psiquiátrico.

 Mais uma pausa criada, o afastamento verbal constante a a postura defensiva eram evidências da dualidade em prometer contar e não se sentir permitido, soltando pequenos pedaços de cada vez. Izuku tomou a mão restante de Shoto, atraindo a atenção deste para o mini discurso motivacional a seguir:

 — Eu quero te conhecer, de verdade. Não vou julgar, até porque nada do que aconteceu foi culpa sua. Só quero ajudar, você é importante pra mim.

 O Todoroki sorriu de canto, gradualmente desarmando-se com o tratamento gentil recebido, agradeceu baixo antes de continuar:

 — Eu até pensei em visitar ela, não nos vemos desde que eu era criança, só tenho medo de acabar encontrando ele lá. Não faz muito sentido, não é como se ele fosse antes, é só essa constante impressão que ele está atrás de mim o tempo todo.

 — Dá pra entender você se sentir perseguido depois de tudo que você passou.

 — É tão estranho... o pior é que eu estou um tanto perdido desde que saí de casa, odiava meu pai me ordenando a cada segundo, só que agora não faço a mínima ideia para onde ir, sequer foi ideia minha virar camelô.

 Afundou um pouco no encosto macio, a bochecha direita acariciada pelo tecido ali presente ao encarar o namorado, quem imitou a posição inconscientemente. Passeou com o olhar pelas sardas distribuídas no rosto, tomando um descanso breve para logo retomar o tópico:

 — Achei que ia te incomodar com isso, você já tem um emprego estável, mora sozinho... é meio estranho me sentir atrasado após estar na frente dos outros por anos.

 — Cada um tem o seu tempo, eu passei um tempo perdido também, não fazia ideia de qual profissão iria seguir, na verdade All Might foi quem me recomendou a polícia militar. Quando minha mãe passou a namorar com ele eu já era adolescente, ele me ajudou com bastante coisa nessa época, e me inspirou a chegar onde estou hoje. Ter alguma inspiração provavelmente pode te ajudar também.

 — Não faço a mínima ideia em quem me inspirar.

 — Uma hora vai aparecer alguém, não precisa de pressa, você não está atrasado, só em um caminho diferente.

 — É meio difícil de acreditar, mas se você diz...

 — Vai dar tudo certo.

 Acabaram em um abraço, contato ainda incomum para o mais alto, todavia bem-vindo, nem percebera que precisava de um até o receber. O diálogo prosseguiu com calma, o bicolor permitiu que o esverdeado aprendesse mais sobre si, desviando o assunto somente quando era perguntado sobre Toya. Apesar de ter notado, o menor permitiu as evasivas, decidindo haver tocado em assuntos sensíveis o suficiente pela tarde.

 Pararam para lanchar quando a fome se fez presente, optando por realizar outra atividade quando terminaram com a comida. Jogaram online, uma dupla certamente caótica de início considerando a ausência de qualquer conhecimento por parte do mais novo. Rapidamente este conseguiu se familiarizar com os controles, inclusive reconhecendo que alguém tinha um personagem claramente hackeado pois era impossível tal quantia de poder.

 As rodadas online foram divertidas, como era a maioria das coisas que faziam juntos. As explicações e compreensão foram basicamente a única coisa que precisaram para retornar a ser um casal comum, a frieza por parte de Shoto sumiu, retomando o estado indiferente comum com sorrisos sutis.

Boku no morroOnde histórias criam vida. Descubra agora