Nova chance

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     Acordo percebendo estar sozinha. Estendo a mão para pegar o celular e vejo as horas; 9h30. Dormi além do que gostaria. Tento ouvir algum barulho na casa, mas o silêncio é absoluto. Coloco meus pés fora da cama, vou até o banheiro verificar meu estado no espelho e escovar os dentes.
     Desço indo em direção a cozinha. Preciso me alimentar. Devido a agitação da noite passada, acabei esquecendo de comer. Embaixo da garrafa de café vejo um bilhete.

 ''Fomos todos para a praia''. 

     Apenas isso. Encho uma xícara com café e leite. Destampo um prato com pães recheados de queijo e presunto. Sento no balcão da cozinha, pensando em tudo o que preciso dizer ao Hugo. 
_Parece que passou um enorme compressor em cima de mim. Estou toda dolorida. - Suspiro cansada.
     Termino de comer, volto ao quarto, e lavo o rosto no banheiro. No momento que começo a descer as escadas para ir até a casa dos Peres, escuto vozes lá embaixo. Encontro todos conversando na sala. 
_Bom dia mom! - Jean fala animado.
_Parece que passou um compressor em cima de você amiga. - Declara Lígia e pisca o olho pra mim. - Brincadeira!
_ Bom dia! Como foi a aula hoje, meninos? - Pergunto tentando ignorar os olhares.
_O professor foi outro, mas a gente prefere o Hugo. Disseram que ele viajou. Precisou sair hoje de manhã cedo. Mas o Carlos é legal também. - Jean fala despreocupado.
_Que bom! - Falei sorrindo à todos. - Vou ao mercado comprar algumas frutas e lanches. - Digo isso já me dirigindo até a porta.
     Entro no carro e baixo a cabeça até o volante.
_Viajou? Como assim? - Dou um suspiro cansado. - É inacreditável que tudo o que eu faça com relação ao Hugo, termino por mentir. Mas isso acaba hoje. - Determinada ligo o carro e dou a partida.
… 
     Assim que encosto na casa, d. Sandra abre a porta.
_Bom dia! Esperava você. Entre!
_Bom dia d. Sandra! - Ela me leva até a cozinha. 
_Acredito que seus filhos tenham falado do  novo professor de surfe. Carlos é amigo do Hugo desde a infância. Tem o surfe como robbie, assim como meu filho. - Ela fala enquanto mexe a panela no fogão. - Quero agradecer de novo por ontem Diana! Hoje pela manhã Hugo conversou conosco. Esteve na casa da Rafaela, tentou conversar e alertar sobre Clara, mas ela estava irredutível. Foi muito difícil! Terminou dizendo palavras muito duras e ele desmoronou. Se sentiu a pior pessoa, um ser humano deplorável, alguém sem valor e indigno. Então sem forças pra continuar resistindo, se entregou mais uma vez.  Quando acordou, pediu ao pai em lágrimas que fosse internado e o levasse daqui. Disse também ser a última chance, se não mudar dessa vez, tira a própria vida. - Ela abaixa e balança a cabeça, como se não soubesse mais o que fazer. - Ele não aguenta ver nosso sofrimento, e o da filha. Até mencionou você. - D. Sandra sorri triste. - Deveria ter tentado ser diferente. Queria merecer  você. Mas ele não é David. Se tivesse sido alguém melhor, sem vícios, quem sabe você o teria aceitado.
_Não sei o que dizer, D. Sandra! Fico feliz por que o Hugo compreendeu precisar de ajuda. Vou orar que Deus abra sua mente e coração. Que o Espírito Santo o convença de quem ele realmente precisa ser. Quanto a mim, não deveria querer ter sido diferente por minha causa, mas por ele mesmo e por Deus. Eu gostava sim do Hugo quando era adolescente, mas isso é passado. - Balanço a cabeça buscando entender, e meus pensamentos viajam. - Agora penso que tentando ajudar acabei atrapalhando tudo, baguncei a mente dele. No entanto me traz esperança que Deus tenha dado essa vontade de mudar definitivamente. Ele não pode desistir. Quanto tempo vai ficar na clínica de reabilitação?
_O programa completo é de nove meses. Esperamos que fique até completar. Vamos cuidar das  lojas por ele. As aulas de surfe vão ficar com o Carlos, porém continuaremos em parceria. Pedimos para não se preocupar. Tentaremos manter tudo sob controle.
_Acredito que sim. Bom, vou ao mercado comprar algumas coisas… Ah! Vocês querem passar a entrada do ano novo com a gente? Já que serão apenas vocês dois!
_Obrigada! Concordo com o Hugo, ele perdeu a chance de nos dar uma ótima nora. - Ela ri e pisca.
_Humm… Quem sabe no futuro Deus dê a ele uma pessoa melhor do que eu. - Sorrio sem jeito.
… 
     Fecho a porta do carro e suspiro aliviada.
_Obrigada Paizinho! Estou com o coração tão alegre porque o Espírito Santo convenceu o Hugo a pedir por ajuda. Agora vou importunar ao Senhor para que lá, ele te conheça verdadeiramente.
     Depois de ir ao mercado e fazer algumas compras, volto para a casa.
_Olá?! - Pergunto indo até a cozinha deixar os alimentos. - Comprei algumas  coisas que estavam faltando. Terminaram o almoço ou precisam de ajuda?
_Hoje você escapou direitinho, bonita! - Lígia grita sobre o barulho do liquidificador. - Já terminamos.
_Não vou dizer que vim o mais rápido que pude. Estaria mentindo. - Levanto as mãos, rindo, em sinal de rendição.
_Então você leva a comida para a mesa Diana. - Ordena d. Beatriz.
_Certo. Vou lavar as mãos.
_Alguma novidade do Hugo, Diana? - D. Ana, minha mãe, que me observava como águia, fez a pergunta chave. - Descobriu aonde ele foi? Pensei que tivesse fugido com ele.
_Depois do almoço gostaria de conversar com os adultos sobre esse assunto. Agora não é hora pra isso. - Olho muito magoada para minha mãe. - Não fugi, e não vou a lugar nenhum com ninguém, mãe. A senhora está sendo extremamente irritante com esse assunto. - Dou as costas em direção a mesa de jantar. - Vou levar a comida.
     O almoço é tranquilo. Não estou querendo interagir. Quase perdi a fome por conta do comentário da minha mãe. É um gotejar constante nesse assunto, parece não termos mais nada a dizer uma para a outra. Vem sendo sufocante essa situação. 
     Após organizarmos a cozinha, convido o pessoal a uma conversa.
_Preciso dizer algo a vocês. - Começo incerta do que falar. - Ontem o Hugo não veio porque ele foi deixar a Clara na Rafaela. Chegando lá eles tiveram uma discussão bem pesada, cheia de acusações. Hugo ainda está muito fraco em Deus, então, ele não conseguiu resistir e foi procurar entorpecentes, tentar esquecer toda a bagunça. - Olho para os rostos que desejam saber o que aconteceu. - Fui até o lugar em que estava, com os pais dele.
_Diana?! Você tem noção do perigo disso? - Minha mãe me olha decepcionada. - Nunca pensei ver você numa situação dessas. Isso jamais aconteceu com David.
_Mãe! A senhora é minha mãe e lhe devo respeito. Porém como mulher e mãe, também mereço do mesmo que dou a senhora. Posso terminar de dizer o que aconteceu?
     Me voltando aos rostos surpresos,  continuo.
_Fui com os Peres. Não arriscaria a vida indo sozinha. Chegando ao local, o sr. Peres encontrou o Hugo e o trouxe pra casa. Hoje pela manhã, ele implorou ao pai que o levasse a  uma clínica de dependentes. Só sairá daqui a nove meses. E é isso. - Concluo batendo as mãos nos joelhos.
_Espero que dessa vez ele consiga. Peres já tentou outras, mas sempre saía antes do prazo. Talvez agora seja diferente já que foi o próprio quem pediu. - Declara sr. Lúcio, pai da Lígia.
_Vamos pedir a Deus que ele tenha um encontro real com Cristo na reabilitação. - Esse foi Breno, sempre pensando no melhor das pessoas.
 _Tomei a liberdade de convidar d. Sandra e o sr. Peres pra virem na entrada do ano novo, assim não ficarão sozinhos. - Falei olhando d. Beatriz.
_Tudo bem! Você fez certo. Com certeza passariam a noite tristes. Aqui pelo menos poderão conversar e se distrair.
_Obrigada d. Beatriz. - Afirmo balançando a cabeça.

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     Permanecemos fazendo cultos durante as noites seguintes. Contudo por ser o último do ano, queremos algo diferente. Planejamos um lual na praia. Breno, sr. Lúcio e o sr. Peres estão empenhados na decoração do lugar, e realmente está ficando lindo. Convidamos mais alguns vizinhos. Um encerramento alegre, e um ano novo cheio de esperanças, é o que desejamos.
     No lugar onde acontecerá o lual, distribuíram algumas luzes, troncos de árvores que servirão de bancos, e uma fogueira, para ser acesa à noite, bem no centro. As comidas e bebidas estão guardadas em grandes caixas de isopor. A programação é recheada de antigas e novas canções, umas animadas, para dançar e outras reflexivas, para agradecer e também meditar em como está a mente e o coração.
     D. Sandra me diz não ter ouvido a voz do Hugo. A clínica já tinha informado que ele não poderia ligar nos dois primeiros meses, mas manteriam a família informada do seu estado. Ela estava triste, pela ausência do filho, porém confiante de que Deus dessa vez faria algo novo em sua vida.
     Por volta das 21h30 os outros convidados começam a chegar. Ficam entusiasmados quando sabem o que foi planejado para a noite. Thomas e Enzo sentam nos troncos e começam a tocar seus  violões. Jean se aproxima com o cajon de Breno. Vê-los tocar me enche de orgulho.
_São lindos, não é? - Lígia se aproxima do meu ouvido.
_Sim. Sinto tanta alegria ver que estamos conseguindo. - Falo emocionada. - Foi um ano tão difícil. Pensava que passaria a virada chorando na minha cama em casa. Mas Deus tinha outros planos, e sem dúvida o que Ele pensa é sempre o melhor. Em Jeremias 29:11 diz: Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês", diz o Senhor, "planos de fazê-los prosperar e não de lhes causar dano, planos de dar-lhes esperança e um futuro''. E mesmo que eu não consiga enxergar nada à minha frente, Deus sabe de todas as coisas, e faz somente o bem pra nós.
_Verdade irmã. Hoje poder ver seus filhos cantando louvores ao nosso Deus, mesmo que seus corações estejam saudosos, é uma dádiva.
_Sim. É. Agora vamos chamar as outras senhoras e saber porque demoram. Todos já estão aqui. 
     A noite foi incrível. Cantamos, meditamos na Bíblia, comemos, dançamos e oramos muito. Apesar de tudo o que aconteceu, o ano foi encerrado com a expectativa de dias melhores.
… 
     No primeiro dia do ano passamos a manhã limpando e organizando a bagunça deixada pela noite anterior. Hoje mesmo partiremos de volta à cidade. Amanhã recomeço o trabalho e sei que minha casa deve estar empoeirada.
_Os homens podem ir limpando a parte do lual. Os adolescentes ficam com o quintal e a entrada da casa. E nós mulheres cuidaremos da parte de dentro. - D. Beatriz delega as tarefas.
     Quando tudo fica pronto, nos despedimos. 
_Muito obrigada por tudo, pessoal. Foram dias abençoadores. - Digo realmente agradecida.
_Foram dias além do que podíamos imaginar, com certeza. - Lígia declama em alta voz.
_A gente se fala irmã. Tchau! - Sorrio fugindo da indireta. - Sua bênção, mãe! - Me direciono a ela.
_Deus te abençoe. Vai deixar os meninos comigo amanhã?
_Sim vou! É melhor não ficarem sozinhos em casa. - Dou um abraço, e ando em direção ao carro.

De volta ao (primeiro) amor - COMPLETO 🥇🥇🥈Onde histórias criam vida. Descubra agora