before.

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 [é segredo! ; memórias ; spot?]

Batucava com as botas gastas no chão de pedra, enquanto ouvia todos os pormenores da conversa de Ashton sobre confissões, um tema que surgiu naturalmente tais como todos os anteriores. Por mais estranho que possa parecer, contar esta recente amizade (causada por um motivo ainda mais invulgar) para alguém para além de nós os dois seria uma loucura. Chegava a pensar que conhecia o baterista há anos. Aprecio a aragem fresca no telhado que dava a oportunidade de observamos metade da cidade, por mais que a maioria não passasse de prédios e poucos espaços verdes, numas ruas agora mais movimentadas do que anteriormente, (mesmo que vistas do telhado as pessoas se comparassem com formigas).

– Qual foi a coisa mais louca que já fizeste? – questiono, continuando com o tema atual.

– Fazer uma fogueira com pertences antigos, numa tentativa de queimar memórias. – ele murmura, após expressar um ar pensativo e um pouco receoso do que iria expor.

– Foi uma missão bem-sucedida? – inquiro, afastando as folhas secas que teimavam em embater contra as minhas pernas descobertas.

– Não. – ele nega, encolhendo os ombros. – Tens alguma coisa planeada para o resto de dia?

– Apenas contigo.

– Ótimo. – Ashton levanta-se num ápice, estendendo a mão de modo a ajudar a levantar-me.

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Sem retirar o olhar do loiro, que caminhava vagarosamente com as suas mãos nos bolsos, era impossível deixar passar desapercebido a sua expressão entediada devido às minhas repetitivas questões para onde nos estamos a dirigir. Todavia, mesmo com todas as perguntas, e até chantagens de que iria abandonar o rapaz não foram o suficiente para Ashton revelar todas as informações que tanto pedia. Frustrada, limitei-me a chutar todas as pedras soltas da calçada, sem evitar o meu ar amuado, e um pouco forçado, pois não era opção repetir o cenário em que o chão era o único sítio confortável para uma curta pausa.

– Fora de brincadeiras, Ashton. – resmungo, ajeitando as roupas escuras que envergava um pouco desconfortáveis devido ao dia calorento. – Já podes dizer para onde vamos?

– É segredo! – ele volta a repetir a mesma resposta nos últimos quinze minutos, sem evitar uma gargalhada.

– Tens alguma coisa contra carros? – interrogo, com o intuito de perceber se ele não possuía um carro, ou se não havia tirado a carta de condução.

– O único carro que utilizo é o carro da banda. – ele esclarece, colocando os óculos escuros no topo da sua cabeça.

Permaneço uns meros segundos a analisar a sua expressão descontraída, antes de ponderar se deveria continuar a conversa ou se o melhor fosse prosseguir com o silêncio. Opto pela segunda opção, que implicava prosseguir com o ambiente mudo. Analiso o local florido, acabando por focar num grupo a brincar alegremente com uma bola de futebol, sem preconceitos, sem confusões. Somente amizade. Dava por mim, a relembrar os belos tempos de infância onde não havia noção do «bom» e «mau», e o quanto isso era vantajoso em alguns cenários. Elevo a cabeça, procurando pela mala de cabedal uns auscultadores que precisavam urgentemente de uma troca.

– Pode-se dizer muito acerca de uma pessoa apenas com a sua playlist. – o loiro murmura, antes de saltar o muro que dava acesso a um jardim.

– Ashton?

– Sim? – ele arqueia as sobrancelhas, enquanto saltava para o outro lado do muro composto por tijolos, com marcas de vandalismo.

– Está ali uma porta. – aponto para uma porta de acesso, gargalhando com a sua falta de atenção, ou até mesmo pela sua tentativa de se exibir.

Como era de esperar, Ashton ignora o meu comentário provocativo continuado o seu caminho. Coloco a mão nos meus lábios carnudos numa tentativa de conter um riso, porém a sua atitude fora suficientemente engraçada para me desfazer em gargalhadas altas. Acabo com o riso, analisando todos os detalhes do parque vasto, onde as extensas árvores e arbustos eram o ponto atrativo do local. Verifiquei em alguns dos troncos as iniciais de casais em algumas árvores, e as suas datas. Típicos clichés praticados por jovens estupidamente apaixonados.

– Vais ficar aí? – o loiro pergunta, captando a minha atenção.

Abano a cabeça negativamente, seguindo caminho até ao seu encontro. Ashton levanta os largos arbustos cuidadosamente permitindo a minha passagem para um parque infantil completamente abandonado; os baloiços com o ferro enferrujado, os escorregas com rachas e sem cor, beatas de cigarros por toda a relva seca, apenas com vestígios de ervas daninhas. Pela primeira vista ao local, aparentava um aspeto sinistro, porém ninguém diria que por detrás do bonito parque estaria este lugar medonho.

– Posso perguntar porque é que estamos aqui?

– Um lugar incomum, onde só nós e as nossas conversas fazem sentido. – ele esclarece, esboçando um sorriso com as suas feições curvas nas sua bochechas.

– Gosto da ideia. – informo, retribuindo o sorriso amigável.

– Esclarece-me esta dúvida, tens alguma relação entre strippers? – o rapaz provoca, devido à minha posição reveladora ao estar agarrada a um poste de iluminação.

– Se eu fosse uma prostituta, o meu nome seria qualidade! – riposto, aproveitando a deixar para revelar uma das minhas inúmeras piadas secas.

– Esclarecido.

– Porque é que em cada sexta-feira, é um lugar diferente? – questiono, afastando uma madeixa do meu cabelo despenteado devido à aragem do telhado para detrás da orelha.

– Nunca se sabe quando vai ser a última vez que vemos um certo sítio. – Ashton desabafa, fazendo uma curta pausa nas suas palavras quase inaudíveis. – Ou uma pessoa.

Desvio o olhar para as minhas botas escuras, calcando algumas folhas soltas espalhadas pela relva seca. Mentalmente penso de como seria inconivente da minha parte questionar sobre este mistério todo, e acabar por receber a típica resposta acompanhada por uma dica intrigante que torna o rapaz relativamente atraente? Talvez essa seja só a minha obsessão por arriscar no proibido que faz com que tenha esta ideia do jovem rapaz. Mordo o lábio inferior, desviando os pensamentos irrelevantes ao reparar em Ashton sentado com as botas sobre o muro, sem avisos desencosto-me da fonte de iluminação, sentando-me ao seu lado, enquanto ele remexe no seu bolso apertado retirando do mesmo um marcador.

– Para que fique registado. – ele profere, desenhando no muro com uma caligrafia aprimorada a palavra «bochechas».

– Tão cedo não me livro dessa alcunha. – digo, esboçando um curto sorriso com a sua ação.

– É original, Riley. – o loiro assegura, retirando a tampa no canto da sua boca. – Quem vier aqui e ler isto, nunca saberá quem é a bochechas, e muito menos sobre o nosso spot.

– Deixa-me escrever. – peço, agarrando no marcador escuro com uma brilhante ideia em mente.

– Loiro baterista?!

– Admite que tenho uma boa imaginação! – afirmo, tapando a caneta. – A que propósito tens um marcador no bolso?

– Bem, aqui o loiro bateria é muito concorrido a autógrafos. – o loiro revela, com um sorriso malicioso. – E a distribuir o número de telefone.

Semicerro os olhos perante a sua conversa exibicionista, cortada pelo toque incomodativo do meu telemóvel. Era provável que Miriam já desconfia-se das minhas saídas regulares, e por volta desta hora deve temer que tenha perdido pelas vastas ruas de Nova Zelândia. Sem hesitar, recuso a chamada adiando um sermão recheado de preocupações e avisos.

– Tenho mesmo de ir. – informo, saltando do muro pequeno para o chão, agarrando na minha mala pousada no mesmo.

– Sem problema.

– Nunca ninguém me disse que haveriam dias como estes. – desabafo, acabando por provocar um brilho nos olhos esverdeados de Ashton.

– Fica bem, bochechas. – o loiro bateria esboça um largo sorriso, depositando um beijo amigável na minha testa.

Friday · afiOnde histórias criam vida. Descubra agora