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[regresso ; ela não tem limites ; desentendimentos]

Sábado, 6 Julho de 2013.

Semicerro os olhos, tapando de seguida o meu rosto com a almofada esbranquiçada evitando ao máximo a claridade que entrava pelas pequenas aberturas da pequena tenda. Estendo o braço pelo lado contrário do colchão à procura do baterista que não aparentava estar a aproveitar todos os segundos para molengar antes de arrumar os pertences de regresso. Prendo os meus cabelos claros num elástico, incentivando-me mentalmente para abandonar o espaço.

Após curtos segundos a reviver acontecimentos da noite anterior, acabo por recorrer à minha mala para obter os meus óculos de sol. Assim que o faço movo-me lentamente, sem retirar a mão da testa pensando que assim iria evitar a gigantesca dor de cabeça. Coloco a cabeça de fora observando o pessoal espalhado pelo acampamento, a maioria num estado miserável, outros agarrados a bebidas energéticas entre jogos de cartas, fazendo-me relembrar dos meus dezassete anos bem passados.

– Bom dia, bonzão. – cumprimento Ashton, que arrumava os seus pertences na sua mochila azul.

– Retribuía o elogio se não estivesses de pijama. – o baterista esboça um sorriso ao analisar as minhas roupas confortáveis.

– Quando é que temos que estar na estação? – inquiro, evitando responder à sua observação provocativa.

– Dez e meia. – ele informa, dando uma vista rápida no seu relógio de pulso. – Quer dizer que, não tens outra opção senão ires de pijama para a estação.

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Puxo o gorro do pijama cobrindo o meu rosto o máximo possível, quando acordei não esperava ter que arrumar tudo em menos de cinco minutos, e por fim não ter tempo para vestir algo para o regresso. De momento, o baterista atirava piadas sem sentido mas que para o seu fraco sentido de humor eram razão de gargalhadas, acabando por originar alguns risos da minha parte. Porém, nem mesmo as suas observações conseguiam melhorar o ambiente constrangedor pelos olhares reprovadores e comentários vindos das pessoas presentes na estação.

Agradeço mentalmente ao ouvir a voz masculina no altifalante, avisando os passageiros de que o comboio iria chegar dentro de segundos, seguindo com os típicos avisos sobre segurança. Permaneço atrás de Ashton, este que com a sua altura acima da média ajudava ligeiramente a passar despercebida, (mesmo que com o pijama com um cor chamativa complicasse a situação). Sem evitar o riso, Ashton solta risos sorrateiros ao mesmo tempo que ocupava um dos lugares com vista para a janela.

– Qual é o problema de andar de pijama?! – resmungo, cruzando os braços intensificando a minha dramatização com o cenário invulgar.

– Digamos que é um pouco incomum ver pessoas a sair nesses modos. – ele responde, abrindo uma das revistas sobre bandas exposta sobre a mesa de madeira.

Encolho os ombros ainda aborrecida com a situação, relembrando-me do ponto positivo de que tinha arranjado um comprimido para a incomodativa dor de cabeça, caso contrário teria mais um aspeto negativo a juntar ao cenário sem pés nem cabeça. Encosto a minha cabeça no vidro límpido, prevendo uma longa e cansativa viagem tal como a anterior.

– Podes explicar o porquê de Blair te abordar daquela forma ontem? – o loiro interrompe o meu momento descontraído, pedindo uma resposta para a sua dúvida.

– Ela não tem limites.

– Não a conheço muito bem porém, pelas histórias que já passaram naquele café presumo que não estejas muito longe da realidade. – Ashton concorda com a minha opinião mal fundamentada, fechando a revista.

– Também já ouvi dizer que és bastante misterioso. – profiro, na esperança de resolver algum dos seus inúmeros mistérios que aparentavam não ter resolução.

– Foi a Safira, suponho.

– És pior que um enigma. – murmuro, à espera da iniciativa relevadora da sua parte.

– Há coisas que não devem ser reveladas, há segredos que são criados para se manterem segredos, há mentiras que podem ser verdades, e o contrário. – o baterista inicia um diálogo que formou ainda mais confusa com cada palavra que proferia. – E quando pensas que sabes tudo, no final não sabes nada, e é assim que podes tentar quebrar essa barreira entre ti e os meus mistérios.

– Matas-me com tanta emoção, loiro baterista. – brinco, pousando a minha cabeça no seu ombro que recentemente tinha sido o porto confortável para descansar.

– Antes de adormeceres, só mais uma observação. – Ashton desvia o olhar, focando-o na paisagem preenchida com uma vasta vegetação. – Quem começa com certezas acaba com dúvidas, e quem começa com dúvidas acaba com certezas.

– Mudar a tua alcunha para loiro misterioso não seria má ideia, de todo.

Bonzão serve na perfeição. – ele sugere, referindo-se ao elogio que lhe atribuiria de manhã.

/ \

Somente entretida com a música emitida pela estação de rádio durante a viagem de regresso a casa, (agora sem a companhia do baterista, que na viagem de comboio fez mais uma vez de almofada confortável). Unicamente com a presença de Miriam, que segurava firmemente o volante com toda a sua atenção depositada na estrada, poderia jurar que pela sua expressão que estava prestes a presenciar um belo sermão. Apenas desejava umas horas de descanso no meu recente lar.

– Riley, porque é que estás de pijama? – Miriam interroga, sem desviar a sua atenção do semáforo vermelho.

– Longa história.

– Precisamos de falar. – ela informa num tom calmo, causando um despertar repentino da minha parte.

Desde que abandonei a casa para presenciar o festival, presumia que mal a minha prima colocasse os olhos em cima iria abordar este assunto, não só um desentendimento entre primas como também a autoridade de Miriam em querer ter o conhecimento sobre com quem andei nos últimos dias. Coloco a minha mão sobre o botão da rádio, diminuindo o volume da música aguardando pelas suas palavras.

– Estamos a precisar de pessoal no jornal. – Miriam inicia, originado um alívio por não ter abordado o tema esperado. – E tu tens o curso em jornalismo portanto será mais fácil habituares-te ao ambiente.

– Em Chicago estagiei durante dois meses no jornal local, acho que estou preparada. – asseguro, escondendo a inexistente vontade de recomeçar uma rotina trabalhosa.

– Ora aí está. – a morena com os cabelos tingidos num tom claro, gesticula fazendo-me erguer uma sobrancelha perante o seu corte na minha frase. – Vais começar por organizar antigos anexos, o jornal está um confusão.

– Vou arrumar papéis?! – exclamo indignada, sem evitar encobrir a minha expressão descontente sobre o assunto.

– Coisas antigas, és capaz de encontrar histórias interessantes. – Miriam tenta contornar o assunto, puxando pelo meu instinto de jornalista. – Há anos que ninguém mexe naquilo!

– Tenho sequer opção de escolha? – inquiro, controlando para não elevar o tom de voz.

– Não.


Friday · afiOnde histórias criam vida. Descubra agora