#12 - Assuntos pendentes

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No calar da madrugada, uma pequena garoa preenchia o profundo abismo escuro das ruas criminosas e sujas do município ao lado da capital, criando um som ecoante e solitário para aqueles que se aventuravam à enfrentar a noite em uma das cidades mais perigosas do país, ainda mais nestes tempos conturbados que lhe assolavam. Diante da estrada, um pneu atravessa o buraco de lama que estava empossado em uma pequena depressão, sem muitas pretensões. Os respingos seguem o carro pelas ruas pouco movimentadas, refletidos pela luz intensa do luar e dos postes de lâmpada amarelada bem espaçados na avenida principal do bairro do Monte Azul. Dentro da máquina de metal que percorria a estrada, uma estática de rádio preenchia o ambiente interno do veículo, chiando entre transmissões aleatórias de uma frequência ainda confusa, até que Pereira lhe sintoniza na rádio que costumava transmitir suas músicas favoritas. Enquanto o fiel oficial aproveitava as batidas noturnas do sertanejo raiz do rádio, trafegava em direção à um velho galpão onde haveria de reencontrar um antigo inimigo... Desta vez, as luzes em azul e vermelho da sirene não cobriam a lataria prateada de seu veículo, muito menos suas roupas seriam adequadas para o trabalho, afinal, este homem estava tendo um merecido descanso.

Com um dia de folga preparado naquela data, seus planos não incluíam fazer uma saída noturna como geralmente acontecia em sua rotina, porém, mesmo diante desta condição, uma curiosidade desenfreada (talvez essa que tenha surgido de sua forte intuição) lhe fez dar uma última olhada em um dos casos que mais tem lhe retirado o sono: o vigilante negro. Durante as últimas horas de seu expediente, uma transmissão convenientemente fora interceptada pela estação de rádio que ficava no escritório principal da delegacia. Por sorte, nenhum de seus colegas estavam no local na hora do ocorrido. Eles provavelmente não entenderiam sua escolha, afinal, essa não seria a primeira vez à questionarem sua "conduta sem sentido", como gostavam de chamar. A insegurança do homem na direção era grande, mas maior ainda era sua decisão de acabar com toda a sanguinolência que já lhe incomodava à alguns meses. Apenas agora, talvez por um fio de esperança por parte dele mesmo, poderia ser capaz de parar todo o caos desenfreado que permeava as ruas do grande município sem nenhum derramamento de sangue, utilizando o bom e velho diálogo. As melodias de "Boate Azul" lhe traziam memórias desagradáveis dos dias de bebedeira quando estava reunido com a família, trazendo a tona a enxaqueca que estava à lhe acompanhar desde que pisou fora da delegacia.

— O que tu tá fazendo homem... — Questionando suas próprias ações anteriores, talvez por medo das consequências destas, talvez por pura decepção e arrependimento da imprudência que ele mesmo desenvolveu, a vontade de voltar atrás aumenta, mesmo que o objetivo final fosse maior que qualquer desejo individual. — Não! Só tem uma chance agora! Faça eles lhe ouvirem e mostre à estes jovens quem é que manda!

A conferência com os vigilantes estava prestes à lhe deixar insano, muito pelo fato de que apenas sua ação de estar dialogando com um criminoso da alcunha de Akuma sem interpretá-lo como um verdadeiro fora da lei era um crime inegavelmente destacável em sua carreira e poderia acarretar em sua demissão, ou pior, o cárcere por ser cúmplice de um assassino! Por sorte, o dia de folga foi algo bem conveniente que lhe proporcionou uma série de desculpas plausíveis para que pudesse investigar isso sem que ninguém levantasse suspeitas. Para sua mulher, disse que sairia com alguns outros amigos em uma bebedeira fora da cidade. Da mesma forma, disse aos colegas do trabalho que ficaria em casa com sua esposa para aproveitar o pouco tempo livre que tinha com a família. Por sorte do homem, ambos não só aceitaram o que faria como também recomendaram-no de tomar devido descanso, afinal, o mais determinado policial da delegacia merecia alguma remuneração além de seu próprio salário. Após finalmente alcançar o local da sua "conferência com o diabo", encosta uma de suas maiores relíquias, um Fiat 147 prateado bem conservado, mesmo que o tempo já tivesse lhe castigado o suficiente.

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