2° Capítulo - Velhos Amigos

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Alice Ballard...

Achava aquele vestido perfeito, tinha um tom de rosa com alguns detalhes pretos que destacavam, tinha feito um topete alto no cabelo, algo que remetesse o tema da formatura, anos noventa. Terminava de passar um brilho labial quase incolor, me sentia empolgada e animada.

Ia ao baile de formatura da escola, escutei a buzina do lado de fora e segui porta fora e fiquei estagnada no corredor.

Minha mãe estava nele, usava um baby doll de seda que marcava bem seu corpo, tinha cabelo loiro ondulado um pouco abaixo dos ombros, seus olhos verdes estavam inquietos como se buscassem por alguma coisa. Lágrimas escorriam e sua respiração estava visivelmente descompensada.

Vejo-a com aquela faca enorme que escondia nas costas, aponta em minha direção ofegante de raiva:

— Não vai matar minhas garotinhas! Eu não vou deixar ninguém as ferir.

Ergo as mãos para frente e indago com a voz baixa e tentando não transpassar o medo que tinha:

— Mãe! Fica calma... Solta essa faca. Está tudo bem, sou eu a Alice.

Chora nervosa e era como se várias pessoas gritassem na cabeça dela. Vejo-a gritar tampando os ouvidos, fui em direção e ela tenta me esfaquear.

Gritei me jogando no chão e arrastando para trás.

Tentou me acertar uma facada, abri as pernas com reflexo rápido a faca cravou em meu vestido e ela a puxou o rasgando.

Choro nervosa:

— Mãe, por favor, para. Está me assustando.

Parou e ficou me olhando por alguns segundos, me lembro nitidamente daquele olhar, os olhos verdes com vasos vermelhos em sua esclera de tanto chorar, os lábios bem desenhados trêmulos com lágrimas rolando por cima deles, seu queixo tremia e ela indaga com voz abafada pelas lágrimas:

— Eu não vou deixar ninguém matar minhas garotinhas.

Antes que eu dissesse algo ela cravou aquela faca em seu pescoço e foi puxando-a e rasgando seu pescoço até cair de joelhos na minha frente.

Era como se naquele instante tudo parasse, senti uma pressão nos ouvidos e podia escutar as batidas do meu próprio coração.

Era como se pudesse ouvir a vibração dos joelhos dela colidirem ao tapete sobre a madeira do chão, aquele sangue viscoso voar em minha direção, pude ver o olhar dela desorientada.

Caiu a minha frente agonizando com uma poça de sangue se formando abaixo de seu corpo.

As lágrimas cortavam minha face como um ácido. E eu não conseguia gritar, me mover ou se quer pedir ajuda. Não me lembro de quanto tempo fiquei naquele estado de choque, só lembro que tudo aconteceu a minha volta e fiquei estagnada ali...

Madrugada de Quinta Feira, 24 de Setembro.

Acordo ofegante e tremendo, comecei a chorar e sentia como se aquilo acabasse de acontecer embora já tenha mais de cinco anos.

Meu psicólogo disse que é normal ter esses pesadelos mais recorrentes por estar indo de volta amanhã para Huddsville.

Será a primeira vez em três anos que vou estar de volta a aquela cidade que passei a vida inteira tentando fugir.

Sinto como se estivesse amaldiçoada a sempre voltar, sempre reviver aquele fatídico dia.

Levantei e fui ao banheiro e me olhei no espelho e choro abaixando o olhar. Sinto falta dela, às vezes penso que foi minha culpa, que eu poderia impedir de alguma forma.

Roteiro da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora