CAPÍTULO 62

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CALLYEN

Eu observei o sol descer sobre a cidade, enquanto me mantinha sentada na beirada do telhado da Casa do Vento, o céu sendo pintando com uma mistura bonita de laranja, dourado e lilás. Feyre e Rhysand haviam retornado pela manhã do encontro com os outros Grãos Senhores, embora já tenham partido novamente em direção ao acampamento Illyriano para a convocação de guerra. Desvio meu olhar para a adaga que agora era mantida na bainha presa na parte interior da minha coxa, eu a puxo da capa de couro illyriano e examino a lâmina e seus significados.

A sensações e memórias guardadas na adaga invadem minha mente, companheira fiel do seu dono tanto quanto as sombras que o seguiam — que o guiavam. Eu vi, a quem ele se referiu quando disse que a havia emprestado a alguém que precisava achar seu caminho uma vez antes, quando Elain e Nestha Archeron a cravaram contra a garganta do Rei, cortando sua cabeça para fora de seus ombros. Um arrepio serpenteou contra a minha pele quando a lembrança retida na faca veio, com o olhar do Rei para irmã mais nova, como um olhar de traição.

As minhas costas, a voz fria como o véu da noite que recaía sobre a cidade abaixo soou alta o suficiente para ser notada.

— Eu não estava de todo errada sobre você, afinal.

Movo minha cabeça de lado, observando o corpo esguio de Nestha completamente ereto, num vestido azul escuro que abraçava sua cintura, o decote ombro a ombro reto e os cabelos presos numa trança.

Sim, eu conseguia enxergar o que atraiu o General Illyriano nela. Muito além da beleza extraordinária da irmã Archeron mais velha, a chama arrebatadora brilhando abaixo dos olhos de gelo.

— O que você quer dizer com isso? — questiono depois de um momento, guardando a adaga de volta a bainha de couro presa em minha coxa e me levantando da beirada do vento.

— Você o trouxe de volta, e dessa vez... ele vai destruir a todos para tê-la.

— Achei que Elain fosse quem falasse por enigmas do futuro, Nestha. — digo num suspiro cansado.

— Não é um enigma quando ambas sabemos que acontecerá.

— Você não gosta de mim. — digo. Não foi uma questão, ainda que eu cruze os braços para a fêmea a minha frente, e ela me erga uma sobrancelha de volta. — Porque?

— Você me lembra... — ela fala depois de um minuto de silêncio, e então se cala. Movo-me para mais perto da fêmea, embora permaneçamos em posições opostas, eu a observo de frente.

— A guerra viria com ou sem mim, Nestha Archeron. Embora você possa me culpar por acelerar isso, não sou eu a colocá-los em risco. — eu digo. — Nem sou tão culpada quanto você ou suas irmãs eram ao serem capturadas e torturadas em nome de Hybern, e assim, como vocês... Eu também não pude nada.

Os olhos de gelo de Nestha queimaram sob a camada de gelo e algo que há muito eu não vi brilhou, ou melhor, incandeceu ali. Algo que agitou até mesmo a essência do poder em minhas veias, dentro dos meus ossos, gelando minha alma com a sensação de medo.

Como diabos aquilo foi parar nela?!

Então me recordo das histórias. De como o Rei havia ficado furioso por ter sido roubado, sobre como o próprio Caldeirão tivesse tido seu mais precioso poder arrancado de si. E depois, como seu filho simplesmente parou de me torturar com a lâmina prateada incandescente, trocando-a. Então seria isso que lhe foi roubado? E foi Nestha Archeron que o roubou, e agora, esse poder borbulhava abaixo das camadas de gelo fino da fêmea.

— Você lutou. E sobreviveu. — a voz cortante dela me tirou dos devaneios ao voltar a falar. — Como?

A questão me surpreendeu tanto quanto a convicção de temer o que vi abaixo dos seu olhos. Tanto, que demorei um minuto exato a respondê-la.

Príncipe das SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora