Capítulo 01 - Encontro ocasional

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Caetano não era do tipo cativante. Misterioso sobre determinados sentimentos, narcisista com tantos outros, talvez o que tenha despertado minha paixão por ele não tenha sido nenhum desses fatores, ou o conjunto deles.

Todas as vezes que nos encontrávamos eu podia aprender um pouco mais sobre a vida, era sempre uma aula gratuita passar o dia sob sua companhia. Observava o modo como se sentia feliz em explicar alguma coisa que entendia muito bem. Ele gesticulava com as mãos e ajeitava os óculos, que escorregavam de forma constante sob seu nariz, um sorriso entreaberto era nítido quando chegava ao ápice de sua explicação. Eu movimentava a cabeça de forma positiva constantemente, para deixar claro que o assunto me interessava, ou que de fato eu estava aprendendo alguma coisa nova, e ele adorava cada segundo desses momentos. E eu também.

Conhecemos-nos no auge da vida acadêmica, ele iniciou os estudos dois anos após eu ter entrado. Eu cursava Letras, e ele, Engenharia de Alimentos, nossas universidades eram praticamente vizinhas, uma Estadual e a minha, Particular, com bolsa 100% gratuita. O fator em comum havia sido uma amizade com a mesma pessoa, Carol.

Carol fazia estágio na Universidade Estadual de Caetano e estudava Letras na minha sala, na universidade particular. Se não fosse por Carol, nossos caminhos jamais teriam se cruzado.

- O Caetano é super tímido- certa vez ela me disse, no intervalo de uma aula e outra- ele faz estágio no mesmo setor que o meu. É um lance de bolsa auxílio para ajudar nas despesas universitárias, é divertido vê-lo tirando dúvidas com nosso supervisor.

- Por quê? - eu perguntei, ainda sem saber direito quem ele era.

- Por que ele fica nervoso em ser sociável. Talvez a universidade o ajude a se soltar um pouco mais.

Essa teoria de Carol foi coerente. Com o passar dos semestres, Caetano ficava cada vez mais a vontade em questões sociais, e já tinha até a sua parcela considerável de amigos.

Esbarramos-nos pela primeira vez no ônibus. Ele voltava de uma consulta médica no dentista, e eu, seguia de forma sonolenta para mais um dia de trabalho, antes de engatar nas aulas que teria durante a noite. Ele reconheceu-me logo de cara, antes de atravessar a catraca. Ainda parecia tímido, mas ironicamente muito bonito. Notei que era a primeira vez que eu me encontrava com ele de verdade, antes tinha a visão do que Carol descrevia, nas poucas vezes que citou ele, mas vê-lo ao vivo era completamente diferente. Acontece que Carol me descrevia para ele também, éramos os amigos dela, e ela consequentemente falava de mim para ele e vice versa.

Caetano não era o padrão de beleza que se encontra nas revistas e redes sociais influentes, era uma beleza particular levemente sutil, que só quem observasse com olhos curiosos poderia compreender. Os óculos estavam lá, provavelmente desde a infância, o cabelo era bem curto, da cor escura, devia estar penteado de forma precisa, mas era bagunçado na testa, transmitindo um ar de rebeldia que uma pessoa tímida poderia esbanjar. Mas seu rosto era curioso, parecia sonolento pelos olhos pequenos (que ficavam grandes com o grau dos óculos), traços de barba raspada eram perceptíveis e um sorriso malando esticava as bochechas, fazendo o ângulo masculino da simetria da mandíbula sobressair-se e complementar seu rosto, para a minha admiração. Magro, mas não esquelético, vestia uma roupa bonita, um casaco de couro marrom, com um relógio reluzente sobressaindo de seu pulso, suas mãos seguravam-se firme para se equilibrar com o movimento do ônibus, eram bonitas, sempre gostei de mãos, uma calça jeans e um tênis branco.

Caetano era de fato inteligente, e conseguia transmitir esse ar de intelectualidade com suas vestimentas. Ao observar meu rosto, logo se dirigiu para o fundo do transporte.

- Olá- ele disse- você é a Alice, certo?

Afirmei com a cabeça.

Ele ficou em silêncio, em pé, enquanto observava o movimento da cidade lá fora.

- Quer se sentar? - eu perguntei cautelosa, tinha um lugar ao meu lado.

Ele estava de fato muito tímido, afirmou com a cabeça segundos depois e sentou-se ao meu lado devagar, tomando cuidado para nossas pernas não se encontrarem.

Naquele momento conversamos sobre nossas vidas, sobre Carol, sobre nossas universidades e nossos cursos. Era um percurso longo até o centro, e a conversa fluía de maneira contínua. Em pouco tempo, Caetano já estava à vontade, e eu pude perceber como sua gentileza gerava empatia naqueles diálogos que mantínhamos. Não costumo me atrair por alguém logo de cara, acabo me afeiçoando com o tempo, depois de alguns encontros ocasionais, ou as reações dessa pessoa num momento de dificuldade, mas com Caetano não foi assim... Antes de chegarmos ao nosso destino eu já podia sentir alguma coisa especial por aquele rapaz, que ia além de desejo carnal.

Mas minha distração pela conversa foi barrada pela visão que eu não havia percebido. Uma aliança. Prateada e reluzente, brilhando de forma vergonhosa na mão direta de Caetano. Ele namorava, e eu não poderia imaginar aquilo.

Não foi difícil amenizar minhas perspectivas sob um sentimento inocente e precoce sobre ele, isso acontecia o tempo todo com qualquer pessoa e estava tudo bem. Talvez déssemos certo em outras circunstâncias, mas não era aquela realidade.

- Acho que chegamos ao nosso ponto de destino- ele disse, parecendo entristecido, depois de toda conversa que tivemos.

- Tudo um dia acaba- eu refleti- mas obrigada pela conversa. Foi bom conhecer o Caetano que Carol tanto falava...

- Foi uma honra te conhecer também- ele respondia- espero que possamos nos ver outro dia.

Demos as mãos em forma de cumprimento, e seguimos nossos rumos por caminhos diferentes. Apesar da quebra de rotina com a aparição inesperada daquele homem, eu jamais imaginaria que nossos caminhos pudesse se cruzar novamente.

Mas talvez eu estivesse enganada, e aquele era apenas o começo de uma grande confusão em grande escala.

Guardo esse dia no coração, por que ele foi o puxão inicial que sucederiam as demais desventuras, se eu tivesse me atrasado naquele dia, se Caetano não tivesse pegado justamente aquele ônibus, se tivesse desmarcado sua consulta médica ou eu estivesse distraída, num canto qualquer do transporte, sem um lugar vago ao meu lado... Se apenas algumas dessas coisas tivesse acontecido, eu jamais teria me apaixonado por Caetano, e esses diálogos provavelmente não iriam existir.

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