Capitulo 08 : A exuberância do pavão apaixonado

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Eu perdi um dia inteiro, nunca fui afeiçoada ao álcool, e sei que ele é o ponto de refúgio de muitas pessoas há milhares de anos, mas soube da forma mais dolorosa que ele não era o ponto de refúgio para eu mesma. Duas doses foram o suficiente para fazer com que voltasse cambaleando para casa, caísse no ônibus e dormisse por muitas horas no sofá de casa, acordando no dia seguinte completamente desorientada sobre minha real condição.

Eu tinha apenas seis dias, por que fui tonta o suficiente para deixar um desses dias escapar.

Decidi chamar Caetano na rede social. Fazia um tempo que não conversávamos, ele não sabia sobre o pedido de casamento, e eu ainda tinha algum chance, mesmo que completamente ínfima.

— Saudade de ti— ele falou, quando mandei minhas solenes saudações.

— Vamos matar essa saudade saindo. Por favor.

— Realmente, faz tempo que não nos vemos. Vou ver como será meu dia hoje, e te aviso.

Esperei alguns minutos, o caractere com os dizeres "estou livre, vamos sair" praticamente me fez saltar de felicidade.

* * *

Não tínhamos uma programação estabelecida, normalmente nossos encontros eram aleatórios. Apesar disso, sempre eram os melhores dias de minha vida, sair com Caetano era a certeza de bem estar. Eu adorava me encontrar com ele, abraçá-lo, sentir o cheiro do seu perfume e observar suas manias vocabulares enquanto caminhávamos para o desconhecido.

Eu tinha poucas chances, precisava caprichar no visual. Existiam regras claras sobre como fazer alguém se apaixonar por você. Não era uma receita secreta, ou uma tese oculta acadêmica, para ser escondido dos olhos observadores da sociedade, na realidade eram etapas simplórias e óbvias de puro convívio social, algo que eu passei algumas horas refletindo até chegar num veredicto.

Primeiro passo era passar mais tempo juntos. Isso talvez fosse um desafio, mas estava disposta a mexer os pauzinhos nas rotinas que tínhamos para que pudesse me encontrar com ele nesses seis dias que me restavam. O segundo passo era observar os pontos de encontro entre nossa amizade, e usar essa arma ao meu favor. Caetano gostava da vida acadêmica, então eu me portaria como uma, talvez uma PhD em direito constitucional, mas ainda sim estaria no papel.

O terceiro passo era um corte de cabelo, mudar o visual era instigante e muito propenso ao sucesso. Mas eu não tinha dinheiro para custear um corte de cabelo, o que poderia fazer? Oh... Isso!!!! Eu mesma poderia cortar minha juba.

Diante do espelho observo meu cabelo. Eu gosto muito dele, é sedoso, brilhante. O que poderia fazer para mudar o corte? Teria coragem o suficiente para deixar curto? E se desse errado?

Quando imaginei Caetano vestido de noivo, casando-se com Bruna, algo dentro de mim aflorou, e eu decidi cortar minha franja. Ela estava grande, necessitava de um corte apropriado. Talvez algo pequeno mudasse de forma relevante minha faceta, era bom mudar de vez em quando.

Mas o inevitável aconteceu. O corte na franja ficou absolutamente TENEBROSO, era como se eu estivesse cortado com faca de cozinha, ficou irregular, espetado. Um caos. Eu não tinha tempo para lamentar ou chorar, o nervosismo do momento estava tomando conta daquela situação.

Numa busca implacável para compensar o tempo perdido, um arco de cabelo perdido na gaveta de meias foi a minha salvação final. Ela cobriu a franja cortada e ainda ajustou meu cabelo, como se fosse um novo corte de cabelo, ou uma nova bugiganga pra colocar na cabeça, era algo diferente, talvez funcionasse. Era da cor vermelha, uma cor que combinava comigo.

Uma roupa provocante também não poderia ser descartada, por mais que Caetano já soubesse como meu corpo era (sabia até demais), nada como uma provocação indireta apelando para as formas corporais para atiçar sentidos primitivos.

Na hora do nosso encontro eu estava perfumada, uma loção do amor (que na realidade era uma água de cheiro barata), uma roupa bem justa, que acentuavam meus seios e bunda, apesar disso, eu estava intelectual, pesquisei assuntos na qual Caetano poderia se interessar para que tudo fosse de acordo com o plano. O arco de cabelo na cabeça deixava meu rosto mais anguloso, eu estava diferente, e precisava pensar que estaria arrasando.

Caetano estava deslumbrante, como de costume, usava uma roupa social que parecia curiosamente confortável, tudo em tons escuros de azul e preto, ele estava apaixonante:

— UAU, você está simplesmente... ADORÁVEL— ele dizia.

— O que? Eu? Oh, essas roupas eu uso socialmente— disse, de forma humilde e cômica. Ele riu.

Naquele dia passeamos pela cidade (eu não estava com a roupa apropriada para grandes andanças, então acabei sofrendo um pouco). Apesar disso, foi um dia memorável, ele me apresentou os pontos turísticos como um bom guia, o sol se pôs rapidamente, trazendo com o fato, uma noite estrelada e vibrante. Passamos por prédios abandonados, e bares locais, todos recheados de pessoas aproveitando mais uma noite na cidade. As ruas estavam cheias e conversávamos mais uma vez sobre todas as coisas possíveis.

— Essa cidade é muito antiga— ele falou, feliz— daria tudo para voltar ao tempo, ver como as coisas funcionavam em seus dias de glória, como a estação de trem.

— Olhar antigas estruturas é como voltar ao tempo— respondi— o que será que nossa geração vai preservar? Qual a marca que deixaremos para o futuro observar?

Falamos sobre o tempo, sobre amizades, sobre o cosmo, sobre o sistema carcerário brasileiro, sobre o atual governo, sobre doenças, sobre guerras, sobre paradigmas, tabus, sexualidade... Foram tantas conversas, que eu acabei me distraindo do plano mirabolante, e eu não me importei.

Terminamos a noite com um abraço caloroso, em nenhum momento falamos sobre nossos sentimentos ou sobre o dia do apartamento, ou sobre Bruna, e eu queria que tudo aquilo continuasse daquela forma.

Chegando em casa, administrei novamente o tempo, conversei com Caetano, sobre tentarmos sair todos os dias. Praticamente implorei, e ele achou tudo muito inusitado, mas disse que aquela semana ele estava mais tranquilo com a faculdade, poderíamos sair, e aquilo me deixou radiante.

Não sei se minhas artimanhas de sedução deram certo, mas eu ainda tinha cinco dias e uma infinidade de ideias ao meu dispor... A vantagem de ser brasileiro era a indubitável mania de não desistir nunca.

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