Caetano e eu não nos encontrávamos sempre, as rotinas não batiam, por mais que quiséssemos. Entretanto, as poucas vezes em que era possível nosso encontro, eram sempre de um modo especial.
Era notória a forma como eu podia ser eu mesma, sem me preocupar com julgamentos, apesar do ar de superioridade por conta da intelectualidade que ele transmitia, era só má impressão da minha parte.
- O que você pensa sobre mulheres transexuais frequentar banheiros femininos? - ele perguntava, de repente.
Era sempre assim, assuntos diversificados sobre qualquer coisa. Caetano dizia gostar de ouvir minhas opiniões sobre os assuntos, sem saber que era com ele que eu aprendia grande parte desses pensamentos.
- Ser mulher está ligado ao contexto de forma social. No momento em que um ser humano assume a postura feminina, sofre as consequências para tal, e talvez uma mulher trans sofra ainda mais por conta de toda essa politização sobre os julgamentos que recebe. Não nasce mulher, torna-se- eu respondia, enquanto ele gesticulava de forma positiva com a cabeça, indicando estar entendendo, ou gostando do meu posicionamento.
- Eu adoro isso em você- ele falava, certa vez, enquanto estávamos debruçados na sala de leitura da universidade estadual.
- O que?
- Sua inocência para certas coisas, e a forma como consegue ser madura para tantas outras.
E eu sabia do que ele estava falando. Era fã assídua de animações de forma geral, gostava de passar o dia vendo animações japonesas com minha irmã, ou debruçada lendo um bom livro de fantasia. Gostava de escutar diferentes tipos de musicas que me lembravam do passado, o presente, alguém em especial, uma lembrança, uma nostalgia, que me deixasse confortável ou suportasse meus dias de estresse ou tristeza. Desenhava nas horas vagas, ou passava os dias de folga jogando vídeo game, rindo de conteúdos superficiais nas redes ou dormindo. Esse era o lado inocente ou superficial que Caetano tanto falava.
Enquanto eu vivia nessa realidade, ele vivia em outra, abusava de podcasts sobre todos os tipos de assunto do mundo, os atuais problemas políticos da China, assuntos médicos, política nacional, ciência, humor, gostava de ver futebol com seu pai nas tardes de domingo e passeava para almoçar em restaurantes requintados com a Bruna sempre que necessário, estudava línguas nas horas vagas, ou procurava ocupar seu tempo revendo alguma matéria acadêmica, como física quântica ou microbiologia de alimentos. Procurava aprender ou conhecer alguma coisa nova só por que tinha essa oportunidade. Gostava de ouvir músicas clássicas ou um rock alternativo, blues, popular brasileira, internacional indie, sinfonias, clássicas... Nossos mundos caminhavam distantes, mas as conversas, ironicamente, sempre conseguiam manter-se equilibradas, compatíveis.
Entretanto, eu tinha meu lado maduro e aprofundado, gostava de conversar sobre injustiças sociais, problematizava tabus sexuais, refletia sobre empatia, religiões, ética e moral. Aprendia com meus erros, esboçava uma ideia criativa, éramos jovens pensantes num mundo complicado, sem muitas riquezas, apelávamos para os conhecimentos, as filosofias sobre a vida ou morte, paradoxos existenciais que jamais serão respondidas. Esse era nosso ponto em comum, talvez.
Eram grandes momentos esses nossos encontros.
Certa vez eu decidi levar Caetano até o shopping, para passearmos por lojas que jamais seriam usadas para futuras compras, sentávamos nos sofás à venda, andávamos por escadas rolantes ou víamos algum filme cult no cinema, no fim da tarde. Lembrávamos-nos de algo interessante, ou discutíamos sobre sexologia e todo o envolvimento perante a infinidade desse assunto. Levava jogos de tabuleiro para passar o dia, coisa que provavelmente ele teria achado tolice ou infantilidade, o que não era o caso. Era uma amizade saudável.
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Amorizade
RomanceAlice nunca imaginou ser "A outra", mas Caetano era do tipo cativante, que despertou na garota sentimentos que jamais havia sentido, ela nunca pensou nas consequências. Nunca busca implacável para conquistar o coração do jovem intelectual comprometi...