Naquele mesmo dia, após um dia de trabalho exaustivo, durante a noitada calorosa de um dia rotineiro na universidade, esbarrei por Carol na porta de entrada da sala de aula, faltando alguns minutos para o professor aparecer e questionei:
— Por que não me disse que Caetano namorava?
— Hm, não achei que fosse uma informação importante— ela esboçou, de forma indiferente— falei pouco dele. Por que a pergunta?
— O conheci no ônibus hoje de manhã.
— Que legal, ele é um rapaz adorável, certo? Já até falei de você para ele.
— É... Ele é tranquilo— respondi.
No fundo do meu ser pairava uma sensação impenetrável de que ele era diferente de todos os rapazes que já encontrei pela vida, mas talvez fosse exagero repentino da minha parte. Uma das minhas maiores qualidades era ser intensa demais e, consequentemente, um dos meus maiores defeitos também.
Depois do fatídico dia, não tornei a ver Caetano por muito tempo. A rotina na universidade seguiu seu rumo incerto, com provas e trabalhos acadêmicos. Apresentações e aprendizados, momentos felizes e momentos tristes, rotina em que eu podia refletir sobre mim mesma e sobre todas as outras coisas do mundo, área de atuação, como seria minha vida além da bolha acadêmica e inúmeros outros paradoxos existenciais. Esqueci-me dele por um tempo, ou talvez habitasse em alguma parte da minha memória. Nada de especial havia acontecido, não faria sentido ainda pensar no sentimento juvenil que pairou em meu coração no nosso primeiro encontro.
E tudo seguiu da forma como deveria.
* * *
No meu ultimo ciclo acadêmico, abarrotada de provas e projetos, preocupada a ponto de surtar com o TCC, eis que aparece uma solicitação de amizade numa rede social qualquer. Essa pessoa era Caetano.
De antemão, eu fiz o que qualquer pessoa faria, bisbilhotei sua rede, a fim de absorver um pouco do que ele transmitia para as pessoas. Acabei encontrando pouca coisa, Caetano era reservado, e sabia os prestígios de separar sua vida social da virtual. Apesar disso, constatei fotografias engraçadas de si mesmo em algum lugar campestre, ou reuniões familiares. Caseiro. A que me chamou a atenção foi uma ao lado de sua namorada Bruna, era a primeira vez que eu sabia quem de fato ela era.
Bruna estava engajada na vida acadêmica assim como Caetano. Poderia dizer que formavam uma boa dupla, se fosse o observador neutro, que não tivesse a intenção de nutrir sentimentos por algum dos receptores, o que não era o caso. Ela era bonita, da mesma forma que ele, sem esboçar esforço ou necessidade de ser notado, senti certo aperto no peito, talvez fosse uma sensação gostosa ter uma sintonia amorosa com alguém na qual você se identificasse. Aceitei a solicitação.
Liguei a câmera do meu celular, para ver como eu me parecia. Será que esboçava um ar intelectual também? Será que eu era bonita sem esforço? Meu cabelo era bonito, grande e sedoso, gostava muito dele. O rosto não era tão simétrico quanto o de uma pessoa exageradamente magra, mas não era de um todo ruim, lábios macios na medida certa, meu corpo era um grande problema, eu não era gorda, mas eu não era magra, talvez estivesse num meio termo sem sentido, onde tudo dependesse de com quem eu fosse comparada, as amarras da adolescência deixaram rastros consideráveis de insegurança e incertezas, coisas que eu trabalhava em mim mesma todos os dias para absolver. Era um processo demorado à transição de conhecer a si mesmo e amar cada anatomia que lhe compunha, eu estava indo para o caminho certo.
Apesar disso, não cheguei a nenhuma conclusão, e senti certa pontada de raiva por olhar um casal equilibrado e querer entender como tudo aquilo funcionava.
* * *
Não alimentei tantas amizades fortalecidas na faculdade, havia minha porcentagem de colegas na qual esbarrava para fazer os projetos orientados por nossos mestres, mas nossa linha de irmandade não transpassava esses limites de obrigatoriedade. Era uma rotina solitária.
As músicas salvavam metade do meu dia, melodias que lembravam o passado, o presente, pessoas, memórias de outrora, sentimento de nostalgia ou de algum coração partido e tiravam-me das dores da rotina distraindo-me de forma quase que mágica, a outra metade era salva por minha irmã Camile, que, apesar de mais nova, carregava em si grande maturidade para a pouca idade. Ela era minha melhor amiga, e encerrar meu dia conversando sob sua companhia fazia as coisas soarem suportáveis.
Além disso, Caetano, certo dia rotineiro, me chamou na rede social. O "oi" que flutuava na tela do smartphone era curiosamente encantador, mas não deixei transparecer a faísca de felicidade, mesmo que ele jamais pudesse identificar isso do outro lado da telinha:
— Olá— eu disse— nunca mais esbarramos
— Não costumo pegar aquela linha de transporte para chegar ao centro.
— Isso é uma pena.
— Por quê?
— Gostei da nossa conversa, engajada de pensamentos filosóficos.
— Podemos ter isso mais vezes— ele respondeu, com um caractere feliz.
— Nossas rotinas não são compatíveis.
— A façamos ser então, ora.
Fiquei reflexiva. Era um flerte? Uma conversa casual, um convite social sem segundas intenções? Não gostava de conversas virtuais, apreciava o palpável tanto quanto a reciprocidade, e vi ali uma boa oportunidade para ter um amigo.
— Nos intervalos entre meu trabalho e as minhas aulas, tenho algumas horas em aberto— eu respondi. E era verdade, eu usava esse tempo para repor estudos inacabados ou ler artigos científicos sobre alguma matéria que possuía dificuldade. Mas não era uma constante.
— Eu devo ter também, apesar de não ser sempre. Nossas universidades são próximas.
Respondi com o mesmo caractere feliz que ele havia enviado anteriormente.
— Então está decidido. Podemos nos ver nesse meio tempo, para jogar conversa fora, tomar um sorvete, visitar alguma biblioteca. Acabo ficando sozinho nesse meio tempo também.
Senti-me feliz.
E era uma sensação maravilhosa dar uma guinada na rotina, era como colocar sal num arroz sem gosto, ou completar uma massa de talharim com o molho cremoso perfeito, o complemento de uma coisa. E aquele foi o início de nossa amizade.
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Amorizade
RomanceAlice nunca imaginou ser "A outra", mas Caetano era do tipo cativante, que despertou na garota sentimentos que jamais havia sentido, ela nunca pensou nas consequências. Nunca busca implacável para conquistar o coração do jovem intelectual comprometi...