Vivendo meu luto

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O presente capítulo começa dias após o último acontecimento do capítulo anterior, além disso, trará uma ordem cronológica mais complexa, para tanto, a cada pulo temporal, existirá uma indicação de em que época se situa o descrito.

Em memória ao meu pai (13/10/1956 – 18/06/2018) ✞

"E disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor." (Jó 1:21)

Andy Herrera

Os sinos soavam, como se quisessem destruir meus ouvidos com cada batida. Meu corpo inteiro estava dormente e meus olhos vagavam pela igreja, buscando no meio da multidão, alguém que fosse capaz de me consolar. Meu maior desejo, era ter o homem que me amava, ao meu lado, no entanto, o mundo ao meu redor, havia desmoronado e não era o melhor momento para introduzir nossa relação, ante os demais. Desse modo, ele se manteve distante, enquanto Maya fazia o papel de apoio, mas lamentavelmente, fracassava.

Tentava pensar que o problema não estava em Maya e sim em mim, uma vez que ela estava se esforçando ao máximo, para me apoiar e prestar condolências, mas ainda assim, não conseguia assimilar a realidade, e acreditei não conseguir, independente de quem estivesse ao meu lado. Sabia que teria de fazer jus, mais do que em qualquer momento, ao legado de meu pai, e para tanto, não fraquejei. Busquei forças de onde não havia, para levantar-me e discursar na frente de todos os que haviam conhecido ou ouvido falar de Pruitt Herrera.

– Muitos de vocês não entendem como estou aqui. – respirei fundo, para tomar o ar necessário que entonaria minhas palavras. – Eu também não entendo. Mas ainda assim, estou aqui. – olhei para esquerda e encontrei meus colegas da Estação 19, organizados em uma fila, fardados e notavelmente, entristecidos. – Meu pai foi um homem que não media esforços para fazer o bem. Não importava quantos riscos ele precisasse correr, se ele conseguisse salvar uma pessoa, ele se sentia um herói. E de fato... ele era um herói. – elevei meus olhos ao teto e desviei minha atenção a face de Robert, que estava junto ao Chefe Ripley, mais próximo a mim. Instantaneamente, senti sua energia passar para mim e pude me sentir confiante em prosseguir. – Ele foi o meu herói, independente dos erros cometidos, ele era meu herói. Bem mais que isso, ele era um herói para a Estação 19, que está aqui presente e não me deixa mentir. Ele se preocupava com cada membro da corporação, cada bombeiro, em cada chamado... ele estava a frente, não porque era o capitão, mas porque era o nosso defensor, era quem se colocava na linha do fogo por todos nós, de olhos fechados. – não pude conter meu riso, ao me lembrar com carinho, da teimosia de meu pai, em chamar a atenção e se meter na vida de todos nós. – Vocês não sabem o quão difícil foi tirar ele da ativa, "Es descriminación por edad, mi hija.", é discriminação por faixa etária, ele me dizia, quando recebeu a carta de aposentadoria. Consegui convencê-lo a viajar, fazer um cruzeiro, ou procurar um hobbie, mas no fim das contas, o hobbie que ele tinha encontrado, era o de ficar futricando a vida de todo o mundo, principalmente quando nós não pedíamos sua opinião. – olhei para os presentes e os notei surpresos, com minhas palavras, como se o politicamente correto, fosse aclamar as qualidades de meu pai, ao invés de me recordar de suas manias, que faziam ser quem ele era. – Vocês não precisam se assustar com minhas palavras! – disse em bom tom. – Ele não iria querer que chorássemos em seu caixão e pensássemos que não haverá mais vida, sem ele aqui. Todos aqui podem achar que conheciam Pruitt Herrera, mas apenas eu, e mais ninguém, sabia de verdade, quem ele era. Ele iria chutar o rabo de vocês, e dizer "Parem de frescura e continuem o que começaram!". Acredito que se nós formos 10% do que meu pai foi, podemos seguir em frente e continuar lutando, chamado após chamado, salvando uma vítima após outra vítima e vivendo um dia após o outro, e isso já seria motivo de seu orgulho. Então... – respirei fundo pela última vez e levantando minha mão direita, conclui. – "Juro perante a todos, nesta solenidade que exercerei minha profissão, cumprindo todas as responsabilidades legais que a mim são atribuídas. [...]" – aos poucos, os ali presentes que eram bombeiros, ergueram as mãos para se juntar a mim, em um uníssono. – "[...] Serei um defensor da vida, da natureza, da ordem e das regras de segurança para a prevenção contra sinistros e emergências. Não farei acepção de pessoas. Serei um bombeiro que atenderá toda e qualquer pessoa, independente de classe social, cor, religião, opção política ou sexual. Respeitarei as leis e as autoridades constituídas em todos os poderes. Estarei sempre disposto a prestar socorro em qualquer circunstância. Farei todo o possível para salvar. Serei um profissional que irá difundir a necessidade da prática de bons costumes e a valorização da família na sociedade. Sempre que eu for chamado para prestar socorro, farei com toda a vontade e profissionalismo. Não temerei o fogo; a água; a altura, o escuro e as adversidades encontradas nos atendimentos, pois sou temente a Deus e sei que Ele estará comigo, me orientando, me dando forças e me cuidando para que eu seja bem sucedido em todas as minhas ações de bombeiro." Nós somos os bombeiros de Seattle e todos os dias, voltarmos para a casa é uma vitória, e quando um de nós não volta, nós repetimos "Semper Parathus", porque precisamos estar sempre prontos para perder um membro. E é por isso que eu estou aqui. – ao fim, fui aplaudida de pé, mesmo que sem compreender os motivos, agindo apenas conforme meu coração mandava.

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⏰ Última atualização: Oct 14, 2020 ⏰

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