O cervo no caminho e a visita do agente

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Enquanto atravessavam o estado, a paisagem mudava aos poucos. Os traços secos da areia vermelha que marcava os Estados mais a oeste ficava para trás para dar lugar a relva verde, os vales e montanhas que muitas vezes tinham neve em seu topo. Onze estava com seus fones de ouvindo, neles tocava uma música Indie de uma banda que só ela gostava, uma daquelas bandas que com muito esforço você encontra em uma longa busca no YouTube. Lá estava ela com os pés sobre o painel cinza, com o banco meio inclinado observando as nuvens passando lentamente enquanto o carro deslizava sobre o asfalto. Onze tentava encontrar formas para as nuvens que cobria o céu azul, que por vezes se mostrava em pequenos lapsos límpidos. Era de se esperar que aqueles olhos pretos surgissem de algum ponto de sua consciência profunda, aquele cabelo bagunçado, aquela sensação de que já havia visto aquele rapaz em algum lugar, algum momento, algum outro tempo.

  De repente, Terry puxa o cabo do seu fone, o que lhe tira da concentração de tentar achar uma forma conhecida para nuvens alheias.

- O que há com você? - Pergunta Terry.
- Você tirou meu fone só pra perguntar isso? - Responde Onze em protesto posicionando o banco em sua colocação normal.
- Bom, você sempre gosta de ouvir músicas, sabe aquelas músicas estranhas que só você ouve enquanto viajamos.
- Mãe, olha... Eu... Eu nem sei o que dizer. - Onze se afunda no banco e cruza os braços.
- Eu sei que está com saudade de Richard Mcgnis, mas vai encontrar alguém...
- Ho. - Onze debocha abrindo os braços. - Eu não sinto saudade de Richard.
- Sério? Eu achava que vocês já tinham feito sexo.
- O que? - Onze quase grita fazendo uma cara de revolta.
- Sabe, aquela noite em que vocês estavam estudando lá no quarto. Eu achei que vocês tinham...
- Mas... Mas como pode achar isso?
- Ué, é o que jovens da sua idade fazem, francamente quem estuda num quarto fechado sozinho?
- Olha só, é melhor parar de falar, Tá piorando as coisas.

  Terry, como uma ótima mãe compreensiva, uma mãe coruja, fica em silêncio por alguns segundos, mas movida de uma curiosidade arrasadora pergunta:

- Vocês estudaram o que?
- Mas o que? - Onze protesta novamente.
- Ué, só tô perguntando.
- Anatomia.
- Hmmmm anatomia. - Terry cantarola com certa melosidade no tom de voz. - Já que estudaram anatomia, qual era o tamanho do...

   Onze arregala os olhos e torce a boca enquanto olha para sua mãe, enquanto ela por cima dos óculos escuros olha meio de soslaio para ela.

- Sabe, o tamanho do negócio dele???
- Mãe, eu não vi o pinto do Richard Mcgnis, a gente só estudou.
- Oh, mas que coisa, eu achava que...

   PAAAA.

   O carro bate em um animal e começa a derrapar na pista, Terry gira o volante de um lado para o outro enquanto o carro samba na pista e por vezes atinge o acostamento de terra. Com muito esforço, metros depois, Terry consegue parar o carro com segurança.

- Você tá legal? - Pergunta Terry ofegante segurando firme as duas mãos no volante.
- Eu... Eu tô. - Diz Onze colocando a mão na bochecha e sentindo um pouco de sangue. - Acho que cortei a bochecha.
- Deixa eu ver. - Terry coloca a mão no queixo da filha e gira seu rosto devagar revelando um pequenino corte no lado direito do rosto, bem no meio da bochecha.
- Você fez um pequeno corte, acho que bateu o rosto no painel.
- Viu, mais um sinal que temos que voltar para Illinois. - Diz Onze apanhando uma atadura dentro de uma caixa de primeiros socorros que estava dentro do porta luvas.
- Engraçadinha. - Terry desce do carro.
- Aonde você vai? - Onze pergunta.
- Vou ver o que eu atropelei.

  Onze desce do carro também, ela segue sua mãe que caminha a passos largos na direção de um filhote de Cervo que está se arrastando para fora da pista, enquanto vai deixando um rastro de sangue.

- Um filhote de Cervo. - Diz Onze com a fala carregada de piedade enquanto segura a atadura no rosto.
- É uma pena eu ter vendido a minha Glock.
- O que? Você ia matar ele?
- E deixar ele sofrer pelo restante da vida? Claro que não.
- Não podemos simplesmente matar ele. Não teve chance de viver.

   O cervinho cai no acostamento, ele lança um gemido de dor expressivo que causa mais piedade em Onze.

- Você tem de entender que para alguns, a morte é melhor que o sofrimento. - Diz Terry voltando para o carro.
- O que vai fazer?
- Pegar um pé de cabra.

   Onze olha para o cervo que está deitado gemendo baixo, ela olha para sua mãe que está abrindo o porta malas, ela percebendo que algo está errado, e que ela pode resolver. Assim Onze caminha devagar até o cervo que a fita com muito medo e até mesmo tenta se levantar. Onze se abaixa e vê a pata quebrada do animal, ela não sente nojo ou horror, mas sente compaixão. Sua mãe demora em achar o pé de cabra e esse é o momento perfeito para Onze fazer o que ela tem de fazer.

- Vai ficar tudo bem. - Diz Onze em voz tranquila.

   Ela então aproxima sua mão direita da pata quebrada do cervo e então põe sua mão esquerda por cima do ferimento. Uma leve, suave e opaca luz verde sai da mão de Onze e incide sobre o ferimento. O cervinho fica tranquilo como se estivesse deitado debaixo de uma sombra fresca. 20 segundos, Onze retira sua mão de sobre a pata, revela que o ferimento não existe mais. O Cervo se levanta devagar, ele está com a pata novinha em folha. Num piscar de olhos, ele corre na direção da Mata verde a frente, e Onze sente que ele encontrou sua família.

- O que você fez? - Terry pergunta enquanto segura um pé de cabra.
- Eu curei ele.
- Bom, é uma solução ótima, mas arriscada, alguém poderia ter visto. - Diz Terry dando de ombros.
- Mas não viu. - Onze se levanta e vai atrás. - Minha solução foi melhor que a sua.
- Mas foi muito mais arriscada, imagina se alguém aparece. - Diz Terry de maneira mais ríspida jogando o pé de cabra no porta malas e fechando-o com força.
- Que ótimo, iam saber que alguém se preocupa com animais.

   Terry e Onze entram no carro.

- Iam saber que você tem habilidades, que é especial. Jane você não pode sair por aí mostrando seus poderes. - Terry liga o carro que da a partida no primeiro toque.
- Qual foi mãe? Você ia matar aquele cervo inocente, não tinha ninguém conosco, ninguém em raio de canto nenhum. - Onze fala mais alto.
- SABE O QUE VÃO FAZER COM VOCÊ SE DESCOBRIREM QUE TEM PODERES?

   Onze se cala assustada com o tom de voz de Terry, ela raramente grita assim.

- Vão te tirar de mim. Vão te levar pra longe caramba.

   Onze olha fixamente para frente, ela não olha nos olhos de Terry que tirou os óculos escuros. Aqueles olhos agitados, querendo lacrimejar, meio raivosos, mas igualmente assustados.

- Me promete uma coisa. Você não vai mostrar seus poderes pra ninguém em Hawkins. Combinado?
 
   Onze não responde, ela vira o rosto para a janela.

- Eu quero ouvir. Combinado?
- Tá.  - Onze Responde em seco.

   Terry liga o rádio nas músicas salvas no seu pen Drive, That's Life de Frank Sinatra era a primeira a tocar, e assim ela deixou. Onze colocou os fones que voltaram a tocar Twit Twoo da banda australiana Covassettes. Talvez a música animada e ritmada mudasse a mágoa de usar seus poderes e não ser reconhecida por isso.

+++

  Em Chicago, o novo morador da casa que outrora era de Terry e Sua filha, estava jogando um pouco de vídeo game depois de um dia longo no trabalho, nada como terminar a campanha de The Last of us no recém lançado PlayStation 4. Lá estava ele, concentrado na jogatina, quando alguém tocou a campainha que por sinal não tinha um som irritadiço, mas sim uma melodia suave. Calmamente, ele se levantou, deixou o controle de lado e caminhou com suas meias coloridas até a porta. Assim que a abriu deu de cara com um homem de cabelo grisalho, bem arrumado para trás, rosto com algumas rugas indicando meia idade, e um terno preto e gravata preta. Ele estava acompanhado de outros dois homens mais estranhos que usavam chapéus dos anos 50, sobretudos pretos,  e tinham olhos grandes e arredondados que olhavam fixo para ele.

- Posso ajudar? - Pergunta o rapaz.
- Você é James Black? - Pergunta o homem de cabelos grisalhos.
- Sim, sou, o que houve? Eu não paguei meus impostos?
- Sou Martin Brenner, faço parte de uma subdivisão especial do governo dos Estados Unidos da América, estou aqui para conversar sobre Terry e Jane Ives, se não se importar vamos entrar para lhe fazer algumas perguntas. - Diz brenner com uma voz ameaçadora.

MILEVEN - AMOR ATRAVÉS DOS TEMPOSOnde histórias criam vida. Descubra agora