Quando criança minha mãe sempre me orientava a ser um pouco mais rígida e não demonstrar tanta transparência em minha face em relação ao que eu sentia.
Certa vez, em um jantar importante em minha casa, derrubei comida em meu vestido na hora da refeição, os adultos discutiam sobre negócios, e nós as crianças ficávamos em silêncio. Quando olhei a mancha no tecido caro da minha roupa, comecei a sofrer antecipadamente com a ideia da bronca em que levaria dos meus pais. Estava quase chorando, quando um dos homens que estava sentado ali, falou alguma coisa que não compreendi muito bem, mas achei que era sobre a minha imprudência, então acabei soltando uma risada e atrapalhando sua conversa. Minha mãe me fuzilou com olhar, por causa do meu comportamento atípico, e eu me encolhi, com medo do que viria a seguir, depois que o casal fosse embora.
Observei quando a noite se encerrou, e os convidados se foram, minha mãe se voltou para mim e me olhou com um olhar que era capaz de acabar com qualquer um que cruzasse seu caminho. Meu pai também não ficou satisfeito, e saiu balançando a cabeça.
Eleonor, minha mãe, me pegou pelo braço e me levou até o quarto, cheia de fúria;
— O que eu sempre falo para você Maira? — Sua voz era tão calma, e fria que me encolhi de medo. — Responda agora.
Seu dedo estava em minha face, apontando todos os meus defeitos, sem ao menos pronunciar nenhuma palavra a mais. Meus olhos estavam marejados, o que aumentou em dobro a sua irritação.
Quase soltei um soluço. Tinha sete anos, ninguém deveria passar por isso nessa idade.
— Para ser como Melissa... — minha voz estava abafada, estava tentando conter um soluço. — Para conter minhas ações e não demonstrar sentimentos demais na frente das pessoas. Ficar quietinha.
Minha mãe chacoalhou a cabeça em sentindo afirmativo. Por um segundo mínimo, pude vislumbrar um resquício de compaixão em seus olhos. Porém esse seu lado já não estava mais acessível. Seu lábio estava comprimido em uma linha fina.
— Então você precisa aprender a fazer isso, aqui sozinha no seu quarto.
Não tive tempo de contestar o que ela estava falando, nem de assimilar toda essa situação. Pois a mulher a minha frente, apenas me deu as costas e me trancou em meu quarto, me deixando a sós com meus pensamentos. Foi mais de uma noite trancada, ali em silêncio. Acho que a partir desse momento que comecei a repudiar o sistema de governo do nosso reino, e o próprio governante com sua família.
Foi à primeira vez em que me senti tão pequena e oprimida.
Como agora. Todos esses sentimentos que me amedrontavam quando eu era mais nova, me atingiram como um raio, assim que encontrei os olhos frios do príncipe me encarando. Se pudesse dar meia volta, e ir embora... Porém já era tarde demais, não havia como ir a qualquer lugar, não tinha para onde correr. Depois de todos esses dias, eu não suportava vê-lo nesse instante e lembrar-se da maneira em que fui arrastada do meu lar, e de como ele me olhara em sua festa de aniversario, e da surpresa que tive de encontrar Elian na minha sala, ao invés de Nicolas. Era impossível não lembrar-me da traição da minha família.
Caminhei até a beirada da mesa, que estava cheia de diversos tipos de pratos de comida. Um exagero completo para apenas duas pessoas. Antes que ele pensasse em se levantar para me auxiliar com o assento, o que duvidei que fizesse. Atirei-me em uma cadeira rapidamente evitando qualquer ação de outra pessoa, mesmo um criado. Minha perna estava tremendo, assim como meu corpo todo. Ficar mais um segundo em pé não era uma opção.
Tenho consciência que Elian estava monitorando cada passo meu, pois depois de uns minutos reparei que nem uma reverencia fiz a ele. Sua expressão era um misto de surpresa, e interrogação, enquanto seus olhos azuis me analisavam, e olhavam para a minha alma ferida. Não havia mais nada de emoção em sua face, como aquela máscara típica que envolvia a vida de todos que conhecia. Contudo, ao contrário de muitas situações, sua frieza era real.

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Reino Obscuro
FantasyExiste uma velha lenda de um Rei que doou seu próprio filho para a escuridão para salvar a vida de sua bela amada. Há um reino que vive obscuro, sem saber o que é amor, apenas o poder se torna um sentimento constante em seus governantes, o ódio perd...