Dois

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Já faz um tempo que não ouço mais o barulho que emana da praça, nenhuma música, nenhuma voz preenchia o ambiente calmo em que me encontrava. Consegui fugir da festa, evitar os olhares inquisitivos que direcionavam para mim depois que minha família agraciou o príncipe com seu presente. As notícias correm por aqui, e pelo tempo que demoramos em frente à realeza, tenho a leve certeza que todos aqui suspeitam que estejamos encrencados.

Procurei por um minuto de paz, em um lugar em que a frieza da família real não preenchesse todo o meu ser. Já estava bem distante da cidade, e depois de atravessar um pequeno pedaço de mata, e uma rua cheia de buracos e esquecida pelo tempo, onde a vegetação tomava conta. Casas de pedras surgiam antigas e pequenas. Algumas já corroídas pelo tempo, a grande maioria já destruída, com pedras espalhadas por todo o chão. Ás poucas que ainda restavam, tinham uma aparência charmosa, me lembravam de uma cena grotesca dos contos que meus pais mantinham escondido em casa quando eu era criança. O cenário pelo menos era similar.

Me aproximei de uma construção em que estava quase intacta, onde uma estreita escada surgia em sua lateral, e se elevava até o alto do telhado, onde um dia talvez, fosse uma sacada para bela imagem do pôr do sol esplêndido que esse lugar tinha. Fiquei paralisada, sentada em um dos degraus cheios de musgo seco. Olhando o horizonte, sentindo a brisa acariciar meu rosto. De toda Ryce, esse era meu local favorito. Era o único lugar que podia pensar sem me preocupar com mais nada ou ninguém. Afinal há uma lenda tosca que diz que esse paraíso esquecido é amaldiçoado, então todos mantém distância. Pois muitas vezes o medo supera a curiosidade, mas esse não é meu caso. Esse é o meu refúgio.

Fiquei olhando ao meu redor, ervas daninha cresciam avidamente depois de alguns dias de chuva. Fiz uma nota mental de arranca-las outro dia. Gostava de manter a boa aparência, fazia com que me sentisse melhor, como se de alguma forma honrasse quem um dia morou ali. Essa pequena residência em particular parecia ter sido um belo lar, tão aconchegante quanto qualquer uma possa ser. Principalmente a minha.

Com certeza seria feliz em uma casinha como essa, já conseguia me ver com crianças correndo pelo pequeno jardim, dando risada, e eu me sentiria realizada, quando meu marido me fizesse companhia para apreciá-los... Era sonhar demais, com um preço alto demais. Não valia a pena pensar nessas coisas, nunca aconteceriam mesmo.

— Por que quando não te vi mais na festa suspeitei que estivesse aqui? — Ao ouvir aquela voz esbocei um sorriso no mesmo instante. Não precisava me virar para olha-lo, para saber que estava ali tão próximo a mim. Meu corpo estava arrepiado.

— Porque, provavelmente você é a pessoa que mais me conhece no mundo inteiro Nicolas. — Me virei para o homem que se encostou à parede quase ao meu lado. Seu sorriso era deslumbrante, quase convencido.

— Ah, Maira é tão bom ouvir isso dos seus lábios. — Quando o conheci, há cinco anos provavelmente coraria com seu comentário, mas agora me limitei há um sorriso.

Nicolas era uns dos jovens solteiros mais cobiçados de Ryce. Muitos pensavam que era pelo seu status social, ou pelo dinheiro que sua família tinha, contudo eu sabia a verdade, não era somente isso que chamavam atenção, e sim seus olhos castanhos profundos e brilhantes, sua pele bronzeada, de um tom mais escuro. Seus dentes brancos perfeitos, sua estatura alta e magra, porém ainda incrivelmente forte. Eram muitas as coisas, quase inumeráveis detalhes que chamavam a atenção de moças da minha idade. Porém havia uma coisa que elas não sabiam... Que ninguém sabia. Ele era meu.

— É a verdade, ninguém me conhece tanto a esse ponto de saber que me escondo aqui sempre. — Mas Nicolas sabia, por um único motivo, pois era nosso ponto de encontro desde que nos beijamos pela primeira vez. Fiquei em pé, e limpei a saia do meu vestido. Ignorando a maneira que ele me olhava.

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