Desacordo.

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Flashback On.

Dava passos calmos em torno da pista de skate com o olhar distante, mas sempre mantendo um sorriso em seus lábios. Sem sombra de dúvidas, estar sobre a prancha presa em rodinhas era seu passatempo favorito dos finais de semana e, também, para as tardes depois do colégio. Sentir o vento batendo em seu rosto passava uma incrível sensação libertadora, os cachos escuros se emaranhando a cada nova manobra ou quando ganhava ainda mais velocidade na descida.

Sua respiração se encontrava bastante ofegante, puxou as mangas do casaco, um pouco maior que seu corpo que, por conta do frio de outono, ela mantinha, mesmo que as vezes precisasse enrugar as mangas ou amarrar a barra para que não impedisse seus movimentos, porém, nada a impedia de sorrir ou gargalhar com os amigos que a acompanhavam na pequena aventura no centro da cidade interiorana, querendo, cada dia mais, aprender novas manobras e encontrar motivação para continuar.

Já cansada de tanto correr, cair ou tropeçar, fez seu caminho até uma das pistas, sentando-se na borda e pendurando seus pés, que tinham seus marcantes Jordan's azuis desamarrados os calçando, principalmente nos dias que marcava de ir para a pista. Sua respiração estava um pouco ofegante por ter praticado tanto, o que a fez respirar fundo e olhar para o sol forte que refletia em sua pele. Até pensou em arrumar os cabelos, mas desistiu da ideia após se lembrar que quase nunca ficava como queria.

Perdida em alguns de seus pensamentos, sentiu a mão de um de seus amigos sobre seu ombro, a fazendo virar o olhar, e agradecer mentalmente pelo cigarro de maconha oferecido. Há algum tempo que havia adquirido o costume de fumar quando encontrava refúgio na pista, já que seus pais costumavam ser rígidos demais, e ela passava por bem mais problemas que uma adolescente de dezesseis anos poderia aguentar.

A curiosidade a preencheu de alguma forma e dispersou o olhar, já com o cigarro aceso e a mente distante, o tragou, soltando a fumaça para cima, sentindo aos poucos seu corpo relaxando, e os problemas partindo para algum lugar bem distante, como se, por um momento, sequer existissem. Passou algum tempo conversando com um de seus amigos de pista, Luiz, mas ele não era realmente importante.

O tempo passou e o primeiro cigarro havia sido finalizado, com ela sempre paranóica, olhando para os lados, tentando prestar atenção se nenhum conhecido a perseguia ou coisa do tipo. Se levantou de onde estava e aproveitou seu skate de prancha colorida para dar mais algumas voltas, se distanciando um pouco das coisas ruins, com o vento, e a pequena alteração causada pela erva, não demorando para traçar seu caminho até um banco um pouco distante, sentando sobre o mesmo de forma relaxada, dobrando as pernas e apoiando os braços por cima das mesmas, segurando entre os dedos mais um cigarro bem feito, ascendendo-o com um isqueiro barato que escondia em um dos bolsos do jeans rasgado. Levou seu olhar até o outro lado da rua, abrindo um leve sorriso ao perceber crianças barulhentas correndo no parquinho do outro lado da rua, enquanto o sol ainda queimava suavemente sua pele já, naturalmente, escura.

Mantendo o baseado entre os dedos, deixou o skate de lado e foi até a beira da calçada, apoiando em uma das árvores que havia ali, analisando o movimento da rua. Costumava fazer isso, observar as pessoas, tentando analisar suas expressões e memorizar, sem contar que mantinha uma paixão secreta por crianças, o que fazia com que adorasse as assistir com atenção, se permitir rir disso, e lembrar da parte boa de sua infância.

Imersa em sua atenção em um dos garotinhos que brincava, tirou o cigarro da boca, soltando a fumaça e respirando fundo, olhando para os lados, pretendendo atravessar a rua, mas jamais teria em mente que o carro que pararia no semáforo e olharia diretamente em seu rosto, com um baseado entre os dedos, seria seu pai. Os olhos dela se abriram chocados, e ele abriu o vidro do carro numa mistura de decepção, raiva e tristeza, fazendo ela soltar o que havia em mãos e não ter um minuto de oportunidade para se justificar, ele havia feito uma decisão naquele instante, não iria abrigar uma chaminé, mesmo sendo a filha mais nova.

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