Mesmo que tenha sido inconsciente e da maneira mais despreparada possível, o garoto ruivo, que você provavelmente não se lembra pelo mesmo ter sido representado por uma singela menção no meio daquele conto gigantesco, ganhara a vez de banhar-se em holofotes. Se isso é bom ou não, cabe apenas a você, meu leitor com tendência ao fascinar-se com histórias tristes, avaliar. Quando, do nada, eu simplesmente lhe atiro uma responsabilidade tão grande, é normal que fique receoso, mas devo dizer para que não se preocupe. No fim, o julgado (talvez até mesmo judicialmente, não sei) por esses contos não será ninguém além de mim.
Desde o início, Eduardo Garcia me era um cara fascinante. Em uma camada mais superficial, poderia até mesmo defini-lo como um cara bonito. Minha masculinidade não é frágil a ponto de eu negar uma obviedade dessas. Como Alice, era frequente associar tal criatura com a ideia de isolamento, embora eu julgue que ambos são de mundos diferentes. Diferente dela, ele afastava a todos. Enquanto Alice era uma bela flor, murcha, mas encantadora a ponto de atrair a atenção daqueles que a viam abandonada entre as fendas de um asfalto, penso em Eduardo mais como um cacto, perigoso e hostil para aqueles que tentam se aproximar, mas um eterno sobrevivente. Solitário e sem os cuidados oferecidos apenas a "flores de verdade", ele vivia e isso é no mínimo admirável.
Pode soar contraditório quando vindo de um réu confesso sob a acusação de misantropia como eu, mas sempre tive em mente uma coisa: ninguém pode viver sozinho. Todos precisam de ter alguém com quem contar, alguém para compartilhar seus fracassos e decepções. Até mesmo as conquistas, tão raras em tempos sombrios em que vivemos. Claro, se você tem o mínimo de concordância com as coisas que eu digo durante esses relatos é bem provável que pense que não precisa de ninguém. Que apegar-se a outros seres é coisa de gente carente e você é bem resolvido o suficiente para precisar dessa merda. Pois, eu afirmo, com o peito estufado e a cabeça erguida, que você não é. Ninguém é. Eu precisava daqueles que amava, como minha família e a parceira de quem tanto me orgulhei, tal como preciso de pessoas para odiar, como o Nícolas. Não existe um meio-termo onde somos indiferentes a tudo e todos, aproveitando com todas as forças da falsa utopia nomeada de solidão.
Sabendo disso, posso ser conclusivo e não recriminar nenhuma das ações de Eduardo. Talvez ele até soubesse que era errado, soubesse o sofrimento que causa aos outros e as consequências do mesmo. Honestamente, isso não me importa. Do mesmo jeito que os sentimentos dele não me importam. Pelo menos não deveriam me importar... É, bizarramente, sempre tive pena dos cactos.
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Nossa coleção de fracassos
JugendliteraturDepois de um fatídico encontro com um esteriótipo de hippie, que ocorrera durante o passeio escolar que visava inaugurar o ano, Martim, um adolescente comum e sem tantas aspirações ambiciosas sobre seu futuro como as de seus colegas de classe, acaba...