As medalhas de Nícolas - Prólogo

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Aposto que você esperava por uma frase filosófica que encapsulasse todos os temas trabalhados como no conto anterior, mas terei o desprazer de te decepcionar novamente. É uma pena, eu sei, mas não posso fazer nada quanto a minha inutilidade como ser humano e inaptidão em entregar o esperado. Não sou tão experto assim, apenas tive a sorte de, por acaso, lembrar de uma frase que combinasse. Ás vezes acontece, embora eu tema isso de contar com a sorte quase tanto eu me temo. Contar com algo tão falho e incontrolável, algo que sequer prevemos e sequer podemos explicar como funciona. Não há um manual de como se ter sorte, certo? Ou se há, aqueles que são considerados sortudos (privilegiados ou bem afortunados) devem esconder ele muito bem. Honestamente, não os culpo por isso. Talvez essa afirmação venha do meu simples e puro egoísmo, na verdade, com certeza é originado dele, mas posso confirmar com exatidão que eu também não ia expor esse suposto manual. Se todos fossem sortudos, ninguém de fato seria. Acho que quando as pessoas exaltam a utopia denominada de igualdade, esquecem, ou apagam de maneira deliberada, essa questão tão importante. Mas sabe por que eu não o farei?

Porque eu sou um desses sortudos. Alguém bem-afortunado e privilegiado. Numa posição alta, é fácil expor banalmente minhas ideias sobre como as pessoas deveriam agir. É tão fácil quanto cômodo. De certo modo, eu entendo o Nícolas. Somos iguais em diversos sentidos, permitindo-me tecer uma ligação com ele, independente dele ser um filho da puta ou não. Somos terrivelmente parecidos. Seriamos terrivelmente idênticos, mas uma pequena, porém vital, diferença nos coloca em patamares completamente opostos, antagônicos.

Eu sei o quanto eu sou sortudo e me martirizo por isso o tempo todo. Eu sou o tipo de cara que se culpa por se sentir mal e se sente mal por se culpar. Nícolas Alves jamais deve sequer ter pensado sobre isso ao longo de seus 17 anos de vida. Sério, quando começa a se questionar, é o fim dos privilégios. Já era. Quando junto com a sorte vem uma dose de culpa, simplesmente não se tem mais sorte. Talvez, o privilégio de verdade é ser ignorante sobre seus privilégios. Esse sim seria o conteúdo perfeito para se expor num manual que usa a sorte como temática principal. Se alguém de fato tiver tempo e disposição para escrever um, por favor tenha isso em mente. Eu teria certas ressalvas em afirmar com a cabeça erguida que a ignorância deve ser espalhada e exaltada, mas, hoje em dia, isso é terrivelmente comum.

Eu sei, é egocêntrico a beça que eu me atente a mim mesmo ou a questões politicas banais quando essa introdução deveria ser sobre Nícolas Alves. Mas, como eu já disse, somos terrivelmente parecidos. E não posso contar com algo tão incontrolável quanto a sorte para fazer isso mudar.

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