Os grilhões de Alice - Parte 2

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No dia 13 de fevereiro, tivemos um passeio escolar para, como dizia o diretor, começar o ano com pé direito. No mais, a maioria dos detalhes sobre esse dia são dispensáveis, banais o suficiente para não merecerem os holofotes. Sendo bem franco, existem apenas duas coisas importantes sobre aquele dia.

Primeira: O maldito beijo de Joe, O Esquecido. Depois que aquele moço estranho tocou-me com aqueles lábios frios e tristes, passei a enxergar coisas que não enxergava. Quando surtei por não estar acostumado com tudo aquilo que via, ele explicou-me que o pensamento é mais poderoso do que as pessoas sabem e, quando pensamentos de angústia corrompem a mente, acabam se manifestando em formas de coisas que apenas eu enxergarei. Nesse caso, resumidamente, ele me passara seu fardo. Pelo menos foi oque ficara implícito.

Segunda: Minha relação com Evelin Carvalho. Naquele dia, por pura coincidência, ela presenciou tudo que aconteceu no parágrafo anterior. Foi ela quem cuidou de mim até que eu sarasse totalmente e também é a única que conhece meu segredo, apesar de não entender realmente como funciona. A relação que ela tem para com a minha habilidade é algo como a frase "Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem! ". Depois que eu a ajudei com as asas de sua amiga Clara, nos tornamos mais ou menos como parceiros.

E é por isso que eu a aguardei, no horário do recreio, nas mesmas mesinhas em que ficamos durante a primeira aula. Tive que aguentar uma infinidade de murmúrios maldosos que as suas amigas fizeram enquanto pedia que, por favor, ela me encontrasse durante o recreio.

No horário combinado e nem um minuto a mais, Eve chegara, meio encolhida e tremendo, até mesmo soltando vapor pela boca. Antes de falar, uma bola atinge a grade e ambos pulamos susto.

— Bom, estou aqui, ao seu dispor. Fale logo aquilo que anseio ouvir antes que me arrependa de ter vindo a seu encontro. Está frio demais.

Orgulhoso e mais do que disposto a não ceder, eu...

... Pedi desculpas, com o rabo entre as pernas e muito envergonhado.

— Foi mau por ter olhado a sua bunda. — disse meio a contragosto.

Mesmo que Eve exibisse uma expressão carrancuda e impassível, ela logo se quebrara, dando lugar a um sorriso complacente.

Sem dizer uma palavra, Eve se aproxima e me prende num abraço forte e aconchegante. Ela era muito quente, mesmo que sua blusa seja fina a ponto de parecer que eu estava tocando sua pele de verdade e não um tecido macio. Mas, acredito eu, sua pele era diabolicamente macia. Sua expressão tão meiga quanto desafiadora... Deveria ser um crime ela não a manter! Nas poucas (talvez um pouco mais do que poucas) vezes que me masturbei, a imaginava com essa expressão e a pele corada, suave ao toque. De todo modo, era diferente vê-la assim, menos intimidadora e distante. No momento, fiquei confuso. Mais tarde, essa confusão passaria e eu finalmente perceberia o porquê de não ter gostado do abraço.

— Sabe, Tim, eu não gosto que me vejam apenas como um pedaço de carne ou coisa parecida. Fico magoada. E eu sou insuportável quando estou magoada. — deu uma risada anasalada. — Então... Continue sendo um bom garoto. Mesmo que já saibamos o quão linda é a minha bunda, não olhe para ela!

— Mas isso é difícil!

— Tem que ser. Faz parte da sua jornada de autodescoberta.

Espera, meu arco de personagem é deixar de olhar para a bunda da minha melhor amiga gostosa?

— Mais importante que isso...

— Mais importante que a minha bunda? Honestamente, eu duvido.

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