No décimo nono dia de abril, a tão amada sexta-feira, já havíamos levado bronca duas vezes e o dia mal começara direito. Não era um início animador, tampouco promissor, mas era algo fora do usual e minha parceira, Evelin Carvalho, não podia estar mais contente. Eu já não era assim. Não desprezo conflitos, como deve ter percebido, no entanto, é mais do que claro que eu não tenho garra o suficiente para lutar contra as autoridades. Eram do topo da hierarquia, um nível superior em todas as análises e eu não estava disposto a contrariá-los. É irônico dizer isso levando em conta a minha situação atual, não? Infelizmente, você não sabe qual é ela. É triste ter piadas internas consigo mesmo, embora eu pense que ninguém riria mesmo se soubessem. Como senso de humor é algo subjetivo...
Ah, tenho que lhe explicar como chegamos nessa situação. Estrutura narrativa, Martim, lembre-se dela. Caso o contrário, não há motivos para escrever esses relatos. Hoje, enquanto escrevo isso aqui cogitando se devo me drogar ou não, também é sexta feira. Uma coincidência frívola, mas futilmente empolgante. Não sei porque gosto tanto de sextas-feiras. Não dava para definir meu tempo no ensino médio como "trabalhoso" quando há pessoas que trabalham mais de 10 horas por dia e atualmente estou desempregado. Não faz sentido. Nada faz sentido e acho que terei que me drogar mesmo. Merda.
Enfim, dia 19 de abril lá no colégio. Como deve ter notado ao longo dos contos, minha parceira e eu temos uma propensão... Curiosa (é muita falta de vergonha na cara escolher logo essa palavra para definir nosso comportamento indisciplinado?) a gazear aulas, principalmente a aula de inglês com a professora Chata-demais-para-se-prestar-atenção-por-mais-de-dois-minutos ou Isabela, como preferir. Abusando de uma inocência tola bem típica de adolescentes que vestem orgulhosamente a camisa da rebeldia justificada pela idade, não achávamos que seríamos pegos com a boca na botija. Gazear aula era algo tão comum naquele colégio que jamais pensei que as inspetoras se dariam ao trabalho de ir até as mesinhas, nosso santuário de isolamento e paz, para nos levar para a diretoria. Não contamos que a professora de português não estava preparada para abandonar sua aluna brilhante que, inexplicavelmente, tirara uma nota péssima na sua última prova. Ela orquestrou tudo isso e só posso oferecer os parabéns aquela filha da puta tão dedicada com seu trabalho.
Haviam se passado cerca de trinta minutos e ninguém se deu o trabalho de nos falar um "logo o diretor vai vê-los". Invés disso, preferiram nos deixar lá plantados no banco ao lado da diretoria. A primeira vista, a impressão que fica é que eles estão muito ocupados, mas, se você conhece o ensino público, sabe que isso é uma mentira tão descarada quanto estupidamente esnobe. Eles fingem que estão ocupados para que nós, estudantes medíocres e indisciplinados, fiquemos receosos em atrapalhá-los com nossas banalidades.
Sabendo disso, Eve não se continha em gritar um "Já podemos entrar?" a cada três minutos passados. Sério, ela estava realmente usando o cronômetro de seu celular para garantir a precisão de seu disparate (isso que o próprio celular, proibido por lei devo ressaltar, já seria o suficiente). Acho que ninguém consegue ser ardilosa o suficiente para chegar nesse nível de afronta. É preciso de um tipo diferente de talento.
Como o banco em que estávamos sentados ficava do lado da sala dos professores, era normal que todos nos jogassem um olhar. Alguns curiosos e outros decepcionados, mas sempre olhavam, como se fossemos atrações de um zoológico que inaugurara recentemente. Tentei ignorar aquilo com afinco, admirando uma foto em preto e branco e meio macabra da fundadora do nosso colégio e alguns cartazes sobre eventos culturais que só 10% dos alunos se daria ao trabalho de ir. Bati uma foto deles para pesquisar mais tarde.
— Estou cansada. — deixou sua cabeça aterrissar sob meu ombro direito. — Quem diria que o pior castigo para quem matou aula seria ficar sem fazer nada? Não sei se o diretor é um gênio ou um idiota.
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Nossa coleção de fracassos
Fiksi RemajaDepois de um fatídico encontro com um esteriótipo de hippie, que ocorrera durante o passeio escolar que visava inaugurar o ano, Martim, um adolescente comum e sem tantas aspirações ambiciosas sobre seu futuro como as de seus colegas de classe, acaba...