As medalhas de Nícolas - Parte 3

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O dia seguinte começou estranho e muito agradável de se olhar. A aula era educação física e era quase inadmissível que Eve tivesse, por quaisquer motivos, se atrasado para a mesma. Ela já me contara diversas vezes sobre alguns paqueras, no entanto, nosso querido professor era de um patamar superior. Todas as garotas o amam, oque seria uma razão mais do que válida para que Eve simplesmente fosse apática com ele, mas não foi isso que aconteceu. Ela o adora e se atrasou. Não consigo engolir isso.

Poderia continuar a listar todas as banalidades que julgo minimamente destoantes do meu cotidiano, como os 10 reais que achei na rua ou a garota estranha que curtiu todas as minhas fotos naquela manhã, mas percebo que existe algo que merece mais da sua atenção: Nosso querido Nícolas Alves.

Depois de fazermos os alongamentos que o professor pedira (achei que nenhum professor de educação física pós fundamental se importasse o suficiente para nos passar atividades diferentes. É, eu estava errado, além de finalmente poder jogar fora aquele trabalho sobre "Os fundamentos do handebol" que fazemos todo ano.), foi decidido que jogaríamos futebol. Na verdade, o professor tinha um ódio declarado contra a mesmice, então seria um esporte diferente em cada aula. Durante a partida, fiz o possível para não atrapalhar tanto o time com minha inaptidão futebolística (além de exercer um esforço gigante para não pegar a bola na mão). Mas, para a surpresa de todos, alguém estava se mostrando ainda mais inapto do que eu.

— Po, Nícolas! Tá de ressaca, mano? — acredite ou não, quem perguntou isso foi nosso professor.— Já errou, pelo menos, uns quatro chutes no gol. O que tá rolando?

— Não estou num bom dia. Só isso. — respondeu com um meio sorriso e sua cabeça abaixada.— Garanto que vou melhor nos próximos jogos. — e ele não foi.

Desde outra partida de futebol até no ping pong, cujo ele participara de uma partida rápida antes de voltar a sala, Nícolas perdera seu honrável posto de campeão. Quando o outro garoto se gabou, Nic respondera atirando-lhe a bolinha na cara, nervoso como nunca vi.

Numa atitude pouco bondosa da minha parte, decidi segui-lo, mesmo que isso significasse demorar mais do que o necessário a voltar para nossa sala. Jamais deixaria de ver o garoto cuja a faixa de campeão parecia ser grudada desde que nasceu perdendo sua famosa compostura.

Era meu lazer. E uma maldade, eu confesso. Mas, se eu não tivesse o feito, meu dever permaneceria oculto por mais algum tempo. Senti-me, repentinamente, fatigado. Derrotado. É, essa palavra encaixa de modo tão perfeito que seria criminoso usar qualquer outra em seu lugar.

Não aguentando o cansaço que me incumbia, despenco no chão como um dominó ao receber um peteleco. Estava no corredor, em frente a nossa biblioteca e diversos alunos corriam para a sala correspondente por medo de tomar uma advertência das inspetoras. Lembro, vagamente, de um garoto ruivo perguntando se eu estava bem e se oferecendo para me levar até a diretoria, mas isso, com certeza, não merecia um espaço em minhas limitadas memórias.

Quando Nícolas Alves, atraído pelas perguntas que o ruivo me fizera, parou seus passos pesados e direcionou-me sua atenção, acabei entendendo o motivo de eu ter passado mal. Eu fui mesmo um tolo de não ter percebido isso antes. Como pode alguém tão orgulhoso optar por andar com a cabeça abaixada? Com essas pesadas medalhas, banhadas de um prateado brilhante, atadas em seu pescoço, seria admirável que ele erguesse a cabeça. Meio tonto, só pude pensar que era assim que o rei da nossa sala, talvez até do colégio, teria que se curvar ao único simplista que pode resolver seu dilema.

...

Várias coisas podiam ser feitas, por isso minha cabeça estava num estado de adrenalina excessiva que eu aprendi a lidar desde que Joe me beijara. Reclamo, porque reclamar tornou-se minha sina, mas, bem no fundo, eu curtia muito ter um fardo tão grande a carregar.

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