Os grilhões de Alice - Parte 3

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A cidade, como sempre, estava atribulada. Mesmo que as 14 horas não sejam a hora do rush (horário de pico, para valorizar minha língua materna), ela parecia estar demasiadamente mais barulhenta que o normal. Claro, essa análise parte do pressuposto de que eu raramente saio e qualquer coisa minimamente mais animada do que meu pacífico e decadente estado de espírito causa-me estranhamento. Parado em frente ao shopping, ao lado da porta vidro automatizada, mesmo que estivéssemos num grupo de quatro pessoas, eu estava absurdamente deslocado. Além do fato de que a camisa social que Eve escolheu para mim era alaranjada e mais chamativa do que meu cinza e preto usual, temos que levar em conta que essas pessoas não me conheciam direito. Não faço ideia do que esse babaca do Gustavo gosta além de manter seu cabelo loiro bem penteado e Mia, mesmo que bonita, era autoritária e ainda me odiava pelo incidente já perdoado da bunda. Alex não quis vir porque estava ocupado estudando (sim, nesse conto, ele é só um esteriótipo), deixando-me sozinho.

Mas, pensando agora, a falta dele não fez nenhuma diferença. Porque nem Alice chegou a vir.

Olhamos para todos os lados da rua e tentamos com afinco encontrá-la, embora não tivéssemos abandonado nosso ponto de encontro. Por um segundo, cogitou-se a ideia de entrar e ver o filme sem ela, mas fora negada imediatamente por Eve que mandara, maravilhosamente, Gustavo se calar e esperar. Passou-se 10 minutos, 20 minutos e depois disso meia hora. Quando chegou aos 45 minutos (do segundo tempo, ah há!), não havia jeito, a batalha estava perdida.

— Não tem jeito, Tim. — Eve deu os ombros, esforçando-se para parecer indiferente, mas seu olhar angustiado revelava que estava mais desapontada do que eu. — Vamos tentar outro dia.

— Mas que merda, Martim. — o maldito loiro agarrou-me o ombro, jogando seu peso como se fossemos melhores amigos. — Não vai poder sair com a mina hoje, mas não desanima, mano! Vai na fé que dá certo.

— Valeu...

Até mesmo Mia chegou a me consolar (sério, o que Eve falou para eles?), mesmo que daquele jeito autoritário de sempre.

— Bom, saiba que a garota não tinha obrigação nenhuma de vir te encontrar. Principalmente por ser você. Mesmo assim... Deve ser meio chato. Sinto muito. — arrumou seus cabelos escuros como carvão e virou de costas para mim.

Sem escolha, nos separamos, já que a casa dos outros era para o lado oposto (eu supunha, porque não fazia a ínfima ideia de onde Eve morava) e eu neguei, educadamente, que eles me acompanhassem até minha casa.

Um passo depois do outro, um semáforo depois do outro e uma apalpada no bolso em que estava o celular, para me certificar inutilmente que ele continua ali, depois da outra. Antes da metade do caminho, acabei por pegar o celular e inconscientemente mandar mensagem para Eve. No fundo, bem no fundo, eu queria resolver aquele problema de uma vez e não iria me dar por vencido tão fácil.

Eu: [Olá, Eve! Vc pode me passar o endereço da Alice?]

Eve: [Comassim??? Vc vai lá? Eu vou juntooo!!]

Eu: [Só me passa logo o endereço. Vou resolver essa questão de uma vez]

Eve: [Tá bom... Mas me conta como foi depois, tá? Em DETALHES, meu caro lorde. Quero saber todo o processo do cortejo da dama]

Eu: [Lhe contarei, minha lady. Lhe contarei sim]

Com o print do endereço e minha determinação revivida (bom, pelo menos grande parte dela) eu corri. Quase tropeçando e parando algumas vezes por falta de fôlego, eu corri com toda minha força, como faria se fosse um clímax de filme romântico e eu precisasse ir atrás da mocinha antes que seu avião a levasse para longe.

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